Neste meu passeio dominical, aproveitei pra levar garrafas e potes de plástico pra reciclar (acredite, nos pontos de coleta não há lugar pra vidro. E sempre levo pro meu escritório na universidade um monte de papelão e jornal velho. As duas caixas estão transbordando, e não são recolhidas. Sinceramente, acho que ninguém recicla nada por aqui. E não é algo de Detroit. Tive a mesma impressão em Chicago e Washington. O país que mais gera lixo no mundo não parece interessado em reciclá-lo). Levei também um DVD pra colocar numa caixa do correio (não se preocupe, vou escrever uma coluna inteira sobre isso). Peguei a edição mais recente de um tablóide grátis. Saí à cata de esquilinhos perdidos, sem muito sucesso. Voltei pra casa e narrei minha aventura pro maridão, após conseguir arrancá-lo da frente do computador.
- Não tinha uma alma na rua. Nem alma de esquilinho. Não sei por que gastam tanto nos filmes pra esvaziar algumas ruas. Sabe que em “Eu Sou a Lenda” uma só cena de Nova York vazia custou 5 milhões de dólares? Podiam ter filmado tudo aqui, e consertar com efeitos digitais.
- Mas ninguém quer ver Detroit vazia. Querem ver NY vazia.
- Bom, praticamente a única alma que encontrei foi um gato branco. Ele olhou pra mim, eu olhei pra ele. Pensei em jogar um amendoim pra ele. Pensei em tocar nele, mas fiquei com receio que ele me seguisse pra casa. Mesmo assim, antes que eu me decidisse, ele fugiu.
- Como aquela cena em “Eu Sou a Lenda” entre o Will Smith e um morto-vivo.
- Amor, espero que nessa sua comparação eu seja o Will Smith. Ah, sabe o que mais eu vi? A loja nova na esquina que vende bebida colocou um cartaz imenso na calçada: “Open. Liquor”. Dá pra ver o cartaz daqui da janela. Mas tem uma palavra embaixo que só deu pra ler lá perto: “Groceries”.
- E o que é “groceries”?
- De novo?! Não vou traduzir pra você pela terceira vez! Você sempre pergunta isso!
- “Groceries” tem a ver com as atitudes estúpidas da Lolinha?
Aí eu tive que rir durante cinco minutos ininterruptos. Nesse meio-tempo o maridão não deu trégua: “Tem uma segunda definição pra palavra, fora o comportamento lolístico? Por exemplo, quando a Lolinha não tá por perto, o que significa 'groceries'? É como o pessoal da loja trata os fregueses?”. Quando finalmente parei de rir, expliquei que só um completo analfabeto em inglês pode confundir “groceries” com “grosserias” e que “grocery” quer dizer produtos comestíveis à venda, tipo secos e molhados. Continuei minha saga:
- Só na volta vi um esquilinho. Ele estava em duas patas, tentando morder uma luzinha de Natal numa árvore. Eu chamei, e ele não veio, lógico, mas pelo menos virou na minha direção.
- E aí você acertou um amendoim na cabeça dele, pra variar?
- Não, anjo. O primeiro amendoim pousou na frente dele, mas ele não viu. O segundo ele pegou. Ele comeu de costas pra mim. Tão grocery, esse esquilo. E depois eu quase fui atropelada pelo único carro na cidade.
- A única pedestre da cidade atropelada pelo único carro? Minhas saídas não são tão emocionantes como as suas.
Enfim, apesar do atraso, faço minhas as palavras do maridão e desejo a todos um ótimo reveillon, e um 2008 sem groceries.