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PELO FIM DE TODAS AS VIOLÊNCIAS CONTRA A MULHER
Comecei este blog em janeiro de 2008. Já já completa sete anos de vida, uma infinidade em termos de internet. Logo de cara, escrevi um texto que fez muita gente se identificar. O nome era "Toda mulher tem uma história de horror pra contar".
Claro, não era, nem é, toda mulher, porque não se deve generalizar, e não há toda mulher pra nada. Existem mulheres que tiveram o privilégio de nunca sofrer qualquer tipo de violência, mas convenhamos: é uma raridade. Quando criei essa frase forte do "toda mulher tem uma história de horror pra contar", estava pensando mais em violência sexual. Eu, como tantas mulheres, escapei por pouco de ter sido estuprada. Sei que não foi nada pessoal. Sei que não foi nada que eu fiz. Foi apenas por eu ser mulher.
A primeira vez foi quando eu era uma menina de 12 ou 13 anos passando férias em Búzios com minha família. Eu estava num cinema improvisado pertinho da casa que alugávamos quando uma mulher simpática veio até mim e me apontou um senhor e disse que ele era muito rico e generoso e que, se eu saísse com ele, ele me presentearia com carro, casa, dinheiro... Só me dei conta da gravidade da situação ao chegar em casa, contar pro meu amado pai, e meu pai sair correndo, furioso, chamar a polícia, fazer um escândalo.
Na outra vez eu já tinha 15 ou 16 anos e, também em Búzios, fui transar com um rapaz bonito mais ou menos da minha idade, numa casa vazia em que ele tinha a chave. Transamos. Ele se levantou, alguém voltou pra cama, tocou no meu braço, a pele fria. Eu vi um vulto no corredor e imediatamente perguntei, revoltada: "Quem é você?". Sem esperar a resposta, me levantei, peguei minhas roupas, me vesti no banheiro, e saí. Já não havia ninguém na casa, pelo menos não à vista. O carinha com quem transei achou que, se eu transava com ele, transaria com qualquer um, e por isso convidou o primo.
Na terceira vez eu tinha 19 ou 20 anos, e resolvi ir ao cinema sozinha, à noite, em SP, porque ninguém queria ir comigo num dia da semana ver um filme de quatro horas, Era uma Vez na América (grande épico do Sergio Leone que, aliás, contém uma terrível cena de estupro). Dentro do cinema, na Praça Roosevelt, três homens, um de cada vez, vieram se sentar ao meu lado. Porque acharam que mulher sozinha é mulher disponível. Eu tive que mudar de lugar três vezes para que os marmanjos se convencessem que eu realmente havia ido ao cinema -- olha que incrível -- ver um filme.
Mas tudo bem, vi o filme, peguei um ônibus, e desci na Av. Angélica. Eu morava em Higienópolis, bairro nobre de SP, na Rua Sergipe. Quando estava quase em frente ao meu prédio, fui agarrada por trás. Caí no chão. E me levantei rapidamente e fui com tudo pra cima do cara, que saiu correndo. E eu fui correndo atrás, gritando, indignada. Não o alcancei. Nem sei o que teria feito se o alcançasse. Contei pro meu pai, liguei pra polícia. Nada.
Na quarta vez eu tinha acabado de fazer 23 anos e estava em Fortaleza, fazendo pesquisa de mercado pro Ibope. Numa rara noite que saí com a única colega da equipe, fomos a um barzinho. Lá conversei com três rapazes, universitários de classe média. Uma conversa bacana sem a menor conotação sexual. Minha amiga ficou com alguém, e esses rapazes se ofereceram para me levar pro hotel onde eu estava hospedada. Aceitei. Era tarde, eu tinha que acordar cedo no dia seguinte, e eles eram legais. Só que eles, sem me consultar, pararam na garagem do prédio de um deles, e insistiram pra que eu subisse pra tomar alguma coisa.
Tipo, eles viram que eu não bebo (papeamos um tempão no bar, e eu só tomando água sem gás), viram que eu não estava minimamente interessada neles, mas acharam que, pela carona, eu teria que participar de uma suruba. Não desci do carro, e disse calmamente que eu queria ir pro hotel. Eles insistiram muito que seria só por um tempinho. Diante de mais negativas minhas, eles inventaram que eu deveria subir pra pegar algo que um deles havia esquecido no apartamento. Eu disse que, se eles não me levassem pro hotel, eu iria sair do carro e pedir um táxi (era pré-celular). Eles finalmente me levaram pro hotel. E ficaram bravíssimos!
Foram praticamente essas as minhas histórias de horror. Pouca coisa, se comparadas aos guest posts que publico aqui.
E hoje recebo, em média, uma ameaça de morte, ou de estupro, ou de desmembramento, ou de tortura, por semana. Faz uns três anos. Não recebo essas ameaças por causa dos meus faiscantes olhos verdes. É só por ser mulher mesmo. E por ousar ter um blog feminista.
E, como ironia trágica, esses mesmos energúmenos que me ameaçam toda semana ainda dizem que ninguém nunca iria me estuprar, porque eu -- que aprendi a me achar linda -- seria feia e gorda demais pra ser estuprada. Torturada e morta, tudo bem. Mas estupro, né, estupro é puro desejo sexual e não tem nada a ver com poder e humilhação, logo, apenas top models são estupradas, como estamos cansadas de saber.
Não estou sozinha nas minhas (leves) histórias de horror. Uma em cada três mulheres no mundo experimenta ou já experimentou algum tipo de agressão física ou sexual de seu parceiro. Ou seja, uma em cada três mulheres é vítima de violência conjugal, segundo a Organização Mundial de Saúde. E essas mulheres são sortudas, jura a sociedade, porque elas têm um marido. Um homem que as protegerá... de outros homens.
Hoje, 25 de novembro, é Dia Internacional pelo Fim da Violência Contra a Mulher. Muitas organizações promovem dezesseis dias de ativismo. Começa hoje e acaba lá pelo dia 10 de dezembro. A campanha, quero dizer. Porque a violência contra a mulher, infelizmente, ainda está muito longe de acabar.
E há inúmeras formas de violência. Há os feminicídios, que matam em média, só no Brasil, quinze mulheres todos os dias. Há a violência doméstica. Há a violência obstétrica. Há a violência do aborto ilegal, clandestino, do Estado que deveria ser laico mas que se nega a reconhecer a autonomia do corpo feminino. Há a pornografia da revanche. Há a violência psicológica, a violência moral. Luto, lutamos, pelo fim de todas essas violências.
Comecei o post falando do blog, e quero terminar falando dele também. Não sei se já contei isso aqui. O maridão é lindo e fantástico e maravilhoso, mas ele fica nervoso de vez em quando. Obviamente que ele só encosta em mim pra me dar carinho, ou não estaríamos juntos há 24 anos. Porém, no início do blog, às vezes, na sua falta de autocontrole, ele gritava comigo. E eu achava normal.
Até que uma leitora, não lembro qual, porque são tantas, e todas tão especiais, comentou que gritar também era um tipo de violência. E eu concordei. Eu e o maridão conversamos, e ele aceitou que sim, gritar, levantar a voz, com raiva, era violência. E desde então, nunca mais ele gritou comigo.
Deve fazer uns seis anos.
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