SOBRE O EX-FEMINISMO DE SARA WINTER
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SOBRE O EX-FEMINISMO DE SARA WINTER


Muita gente tem me pedido pra falar da "virada" de Sara Winter, que foi a fundadora do FemenBrazil e hoje é ex-feminista e, como ela mesma se define, ex-bissexual. 
Como também existe um monte de pessoas que nunca ouviram falar nela, permitam-me uma breve biografia. Sara é jovem, tem só 23 anos, mas já passou por inúmeras reviravoltas. Durante a adolescência (até no mínimo os 17 anos), foi simpatizante do nazismo, ao ponto de fazer uma tatuagem da cruz de ferro perto do pescoço. Seu nome "artístico", pelo qual ficou conhecida, vem da alemã nazista Sarah Winter. Há vários posts dela idolatrando o fundador do integralismo no Brasil, Plínio Salgado. 
Em seu perfil no Orkut, ela pertencia a comunidades integralistas e nacionalistas, além de outras mais soft como "Odeio o PT", "Sou fã de Jair Bolsonaro", "Resistência Anti-Comunista", e "Amo a Rota" (instituição associada à violência policial).  
Em 2011, ano das primeiras Marchas das Vadias aqui e no mundo, Sara se posicionou contra. Num post, criticou que algumas manifestantes saíssem com pouca roupa ou com "roupas de puta". Concluiu que a marcha só queria ibope e que o Brasil estava copiando o que vem do exterior.
Ironicamente, menos de um ano depois, ela decidiu fazer o que tanto criticava: "copiou" uma ideia que vinha do exterior, o Femen, e passou a fazer protestos com os seios de fora, justamente em busca de ibope. 
O Femen Ucrânia é um grupo duvidoso que nunca teve o apoio das feministas. Primeiro que nem o próprio Femen se assume como feminista, e sim como "neofeminista" (seja lá o que isso significa) ou "sextremista" (idem). O Femen é um grupo midiático, ou seja, o que mais interessa para essas ativistas é a repercussão que a manifestação terá na grande mídia. 
Há várias acusações de que o grupo está ligado a fascistas, o que explica seu posicionamento xenofóbico e islamofóbico. Depois descobriu-se que seu fundador é um homem. Ou seja, é um grupo de inspiração fascista disfarçado de feminista.
Sara, nua, pendurada por um gancho,
protestando em SP
Não foi por nada disso que Sara rompeu com o Femen Ucrânia, em maio de 2013, ou o Femen rompeu com ela, dependendo da versão. O motivo do rompimento foi financeiro. Por um tempo, Sara ameaçou continuar usando a marca Femen, mas o grupo da Ucrânia proibiu. Ela, então, resolveu montar um novo grupo, o Bastardxs. O grupo realizou vários protestos, mas Sara precisava tirar cada vez mais roupa para atrair a mídia e, mesmo assim, não conseguia repetir o sucesso do Femen. 
Eu na palestra em SP, 2012
Eu conheci Sara pessoalmente antes disso, em outubro de 2012, quando fui a SP dar uma palestra organizada pela Marcha das Vadias SP, e Sara foi assistir. Falei sobre a imagem da mulher na propaganda, mas, na hora das perguntas, uma moça quis saber minha opinião sobre homens no feminismo e sobre mulheres de direita que se apropriam do discurso feminista para aparecer na mídia. Ao responder, eu tive que falar do Femen. Foi um momento tenso, porque Sara estava na plateia, e todo mundo sabia que ela estava lá. 
Sara (a da guirlanda) na
palestra em SP
Depois do final da mesa, ela veio falar comigo, e um pequeno grupo ficou para participar do bate-papo. Critiquei muito o Femen e disse que ele havia se queimado no Brasil. Sugeri a Sara que ela se afastasse do Femen, que cursasse uma faculdade pública de História ou Ciências Políticas para que pudesse ter uma visão mais completa do mundo, que participasse de movimentos estudantis e feministas, que expurgasse os fantasmas do seu passado, que se rodeasse de pessoas que a amam, e que buscasse maturidade e conhecimento. 
Ela ignorou meus conselhos, mas, em agosto de 2013, Sara me enviou um email (isso eu nunca contei a ninguém). Ela disse que sempre pensava em mim, se queixava que as pessoas dos movimentos sociais não a perdoavam por ter se envolvido com nazismo, que recebia ameaças (que eu repudio 100%), que hoje entendia a "bosta" que o Femen é, mas que não se arrependia de nada. Ela também afirmou que o que partia seu coração era ser esculachada e/ou ignorada pelas feministas nas redes sociais. 
Eu respondi com a educação que me é peculiar (sem ironia, eu sou educada), dizendo que não tinha nada contra ela, embora sentisse muita desconfiança por causa do seu passado. Escrevi que feministas precisavam aprender a discordar, que havia brigas demais e panelinhas. E reiterei meu conselho pra ela: estude, faça uma faculdade, leia muito, ame muito, não se exponha, aproveite o tempo e se reerga.
E foi o fim do meu contato com ela.
Depois disso, Sara passou por uns tempos tumultuados que eu não acompanhei de perto. Algumas poucas coisas chegaram até mim: um vídeo dela chorando, aos prantos, dizendo que homens não prestam, outro vídeo contando seu caso de amor com um militar (pra alguma marca de propaganda), outro vídeo fazendo campanha pra que ela entrasse no BBB (sinceramente, não lembro a ordem dos vídeos). 
Na época do FemenBr, Sara deu
entrevista a Playboy
Pelo jeito, com o passar dos anos, e talvez por conta do nascimento de seu filho, há cinco meses, Sara passou a se arrepender de muitas coisas. Primeiro ela escreveu que lamentava não ter posado nua pra Playboy, e culpou as feministas. Depois, num post de novembro, arrependeu-se de "ter [s]e afastado de Deus e dedicado todo [s]eu tempo à militância feminista", e pediu desculpas a uma moça evangélica por não ter permitido que ela entrasse no Femen (moça, considere-se abençoada).
Também em novembro, ela passou a escrever posts contra a Marcha das Vadias (que, lembrando, ela havia criticado, depois feito parte, e agora dizia que essas marchas não a representavam) e contra a Parada Gay que, segundo ela, é financiada pelo governo. Eu respondi à pessoa que me mandou esses prints: "Sara sempre foi completamente perdida. Agora parece querer se firmar como líder conservadora? Daqui a pouco ela vai ser abertamente anti-feminista, vai vendo..."
Marisa Lobo é filiada ao PSC, partido
de Marco Feliciano
Tiro e queda. Poucas semanas depois, em dezembro, ela já estava participando de hangouts anti-feministas como este. Eu fiz o sacrifício supremo de ouvir aquilo. É um festival de besteiras tão grande que preciso comentar. Até porque eu nunca tinha ouvido Marisa Lobo, psicóloga cristã e homofóbica que quase perdeu seu registro profissional por pregar a "cura gay". 
Marisa pediu ao fotógrafo da
Folha que não a deixasse com
"cara de crente homofóbica"
Toda apresentação que os conservadores fazem sobre Sara precisa ser bem explicada. Felizmente, pros reaças Sara nunca precisou pedir desculpas pelo seu passado nazista. É só se arrepender por ter sido feminista, isso basta. Marisa, então, diz no hangout que as pessoas viam que Sara tinha coração bom, e que as feministas ficaram com inveja dela porque ela é bonita e, segundo Marisa, a "maior parte das feministas é feiosa". E Sara é "loira, novinha, fala bem".
Marisa não se contenta apenas em curar gays -- quer também curar feministas. Segundo ela, feminista "é assim até achar um belo de um macho por quem se apaixone. Quando ela tiver um bebê nos braços, saberá o que é ser mulher".
E não posso deixar de registrar a interpretação que Marisa faz de Simone de Beauvoir: o que Beauvoir quis dizer com não se nasce mulher, torna-se mulher, foi que a menina torna-se mulher ao menstruar, só que aí as feministas deturparam tudo. Marisa acha que o feminismo na sua origem foi importante, mas hoje não.
Para Marisa, a maior parte das feministas é homem, já que são lésbicas, e lésbicas se sentem homens. Entendeu a lógica perfeita da psicóloga? 
Sinceramente, em grupo conservador que tem Marisa, quem precisa da Sara? Marisa monopoliza, ela dá show. É uma metralhadora de asneiras. 
No hangout, Sara se esmera para tentar se equiparar à mestra. Diz que o feminismo é uma indústria pra vender Cytotec. Afirma que assim que uma mulher diz que está grávida num grupo feminista, o grupo faz vaquinha pra comprar Cytotec (o que me soa contraditório; afinal, o feminismo vende ou compra remédio abortivo?). Sara conta que já abortou, e Marisa vê o aborto de Sara como um "mal necessário". Sara passou por isso, então pode falar. 
Estranho. Eu pessoalmente nunca abortei ou encorajei alguma mulher a abortar, mas sou eu a "abortista", sou eu a acusada de apologia ao crime por defender a legalização do aborto no Brasil. Sara acusa feministas de gostarem de abortar. Mas quem parece gostar é Marisa: quem fez aborto e se arrepende pode colocar no currículo antes de ser aceita numa seita cristã. Vale como experiência, vivência, segundo a psicóloga. 
Alguém minimamente são consegue acreditar que Sara fez parte de um grupo feminista online, anunciou que estava grávida, e um monte de feminista veio acolhê-la e dar-lhe Cytotec de graça? (sendo que ela nunca foi bem recebida por grupo nenhum, que Cytotec é caro, porque é proibido no Brasil, e que feminista teme ser incriminada por isso?).
Ainda no hangout, Sara diz que ninguém precisa se juntar a uma ideologia para querer mudar o mundo. Dá pra mudar o bairro, por exemplo. E ela cita o exemplo das... promotoras legais populares (em que a grande maioria das integrantes é feminista; não conheço uma que não seja!).

Não sei se foi antes ou depois do hangout que Sara foi pedir a benção do guru da extrema-direita Olavo de Carvalho e de Bolsonaro, já que ela pensa em se candidatar a vereadora por São Carlos. Bolsonaro é outro que tem bom coração, pois perdoou Sara mesmo depois d'ela ter cortado seu pênis. 

Na página em que vende seu livro digital de trinta páginas, Vadia, não! Sete vezes que fui traída pelo feminismo, ela se define como "pró-mulher e palestrante sobre direitos das mulheres e relacionamentos abusivos. Já foi ativista do FemenBrazil, levou porrada da polícia e do policiamento feminista. Está viva para contar tudo para você". É bizarro, porque o público conservador que lê Sara hoje não vê nada de errado por ela ter levado "porrada da polícia". É o pessoal que faz manifestação pela volta da ditadura e posa pra fotos com PM, ué.
Mas entendo Sara: ser feminista não dá dinheiro mesmo. Apesar do que os reaças repetem sem parar, a enorme maioria das feministas (eu inclusa) não ganha grana com ativismo, não cobra por palestra, não tem AdSense nos blogs (até porque o Google nem permite -- páginas feministas falam de aborto, estupro, violência doméstica, tudo "conteúdo adulto", na definição do Google). Quem quiser ser querida e aceita, não aconselho ser feminista.
Sara precisa viver de alguma coisa, e descobriu que no feminismo não tinha futuro. Agora, aliada com a extrema direita, pode quem sabe cobrar por palestras anti-feministas (feminista não pode cobrar por palestra, mas anti-feminista, pode), vender livro, descolar uma candidatura à vereadora. Não dá nem pra dizer que Sara seja desonesta. Oportunista sim, ignorante também, mas ela não está sendo desonesta ao voltar à direita que ela, no fundo, nunca deixou. Mesmo quando era ativista, ela ainda guardava uma grande paixão por Margaret Thatcher, por exemplo.
Agora, Sara é muito desonesta ao proferir chavões como este:

Ainda que Sara nunca tenha sido aceita por qualquer grupo feminista, ela deve ter falado com algumas feministas. Imagino que ela acompanhe protestos na mídia. Ela vê que tá cheio de feminista hétero, casada, com filho. Ela deve ter conhecido lésbicas que são feministas e que são "melhor amadas" do que muita mulher hétero. Sara é prova viva de que o anti-feminismo vive à base de lugares-comuns e mentiras. 
Espero que, nos cursos que ela pretende dar com Marisa Lobo (é verdade: Sara e Marisa, juntas, vão dar um curso em Curitiba sobre "a farsa da ideologia de gênero". Como diz a divulgação, são "duas mulheres diferentes unidas com o mesmo propósito: 
desconstruir a ideologia de gênero e denunciar a o feminismo" [sic]), ela vá além dos chavões "Feminista, vá lavar louça" e "É feminista por falta de rola". Porque ninguém precisa pagar pra ouvir esses clichês. É só ir à página zueira mais próxima de você. E nem é necessário fazer curso pra deixar de ser feminista. Parece que maternidade e pênis curam todos os males do mundo.
Post após post, Sara mais se afunda nas besteiras e contradições. Segundo ela (e muitos conservadores), o feminismo, ao defender que as mulheres aceitem o seu corpo, sem cair nas neuras de tentar se enquadrar a um padrão inatingível de beleza, incentiva mulheres gordas a continuarem gordas, o que seria terrível pra saúde. Para Sara, a gordofobia é uma falácia. Ela, que participou do Femen, que seleciona as moças de acordo com suas medidas e recusa as gordas, deve saber.
 

No entanto, em entrevista que ela deu ao jornal Gazeta do Povo, publicada em 28 de dezembro, ela responde isso:

Decida-se, Sara! O feminismo gera doenças ou faz com que mulheres aceitem seu corpo e não desenvolvam doenças psicológicas ou físicas?
Mas não é só: feminismo seria tão nocivo para as mulheres que, além de dizer para elas "Você é linda" e "Ame seu corpo" (que coisas horríveis para se dizer às meninas! Deveria ser proibido!), são contra atividade física (cuma? Onde isso?), criam grupos para mulheres postarem nudes (ahã, feminista é quem vive pedindo "Manda nude!"), incentivam o aborto e distribuem drogas abortivas (mentira cabeluda! Os coletivos feministas que conheço sequer respondem os pedidos desesperados que recebem diariamente de mulheres querendo fazer um aborto, por medo de serem processados), e causam suicídios ao perseguirem quem não concorda com todas as pautas (quais seriam todas essas pautas?). 
Contra Bolsonaro, na época do Bastards
Ela é um exemplo. Mas sobreviveu pra contar sua história (no hangout, Sara chuta que cerca de vinte feministas já se mataram ou pensaram em se matar. E que 50 entre mil feministas a apoiaram. Foi alguma dessas 50 feministas que a apoiou que lhe deu Cytotec?).
É tudo contraditório: Sara diz que nunca foi aceita pelas feministas e por grupos feministas -- o que é verdade --, mas, ao mesmo tempo, quer falar sobre o feminismo, como se o conhecesse, como se tivesse feito parte dele. Não conheceu, não fez parte. E esta é a sua dor, a sua busca: ser aceita. Se ela caprichar nas calúnias anti-feministas, talvez os reaças a aceitem.




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