ÚLTIMA CRÔNICA DE DETROIT
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ÚLTIMA CRÔNICA DE DETROIT


Escrevi este texto na última semana de Detroit (um mês atrás), e ele ficou perdido entre milhões de arquivos. Então tá aqui, antes tarde do que nunca.

Voltando da faculdade pra casa, lá pelas 7:30 da noite mas com pleno sol, passei por dois sujeitos, sentados, que falaram, “Good afternoon, young lady”. O young lady me deixou feliz, claro. Daí refleti como os homens de Detroit, em geral, são bem educados. Tudo bem, depende da idade – os mais jovens parecem revoltados, como tantos jovens em tantos lugares. E também não sei como esses dois sujeitos que me falaram boa tarde se comportariam com alguém da cor deles. É que a segregação aqui é tão grande que tenho a impressão que negros não desejam brancas, e vice versa (no momento estou meio amarela, com cabelo black power dos anos 70 pra ninguém botar defeito). Ok, tem os loucos, que são muitos. E digo loucos literalmente. Desses que andam na rua não apenas falando com eles próprios, mas gritando e se auto-xingando. E aí eles se cansam de brigar com eles mesmos e quebram uma garrafa e partem pra cima de você. Já aconteceu comigo. Me contaram, e eu acredito, que vários hospícios fecharam por falta de verba (saúde pública nos EUA é inexistente; veja o fantástico Sicko – SOS Saúde, do Michael Moore). E os internos foram simplesmente jogados na rua. Mas os não-loucos são gentis. Como eu e o maridão andamos de mãos dadas, é frequente alguém passar e falar, sem nenhum sarcasmo, “Ah! That's true love!” (oh, isso é amor de verdade). Pelo jeito somos o único casal caquético do universo a andar de mãos dadas e, às vezes, abraçados (geralmente um se apoiando no outro pra não cair). O zelador do prédio só diz: “Hello, lovers!” (olá amantes/namorados/pombinhos?). A primeira vez que ele falou isso eu pensei: “Ish, será que as paredes do nosso apê são finas demais e calhou de alguém passar no corredor bem quando, no Natal, o título de 'lovers' seria justo?”. Mas agora já me acostumei com o “Hello, lovers!” do zelador.

Eu e o maridão estávamos na principal praça da universidade, alimentando os esquilinhos, quando passaram dois rapazes bonitos. Sorridentes, eles disseram Good afternoon pra gente, a gente respondeu, e eles decidiram falar conosco. Só aí percebi que as roupas formais eram esquisitas pra meninos da idade deles. “Não quero afugentar o seu esquilo”, ele começou, e eu gostei que ele reconheceu que o esquilinho aos meus pés tinha dona, “Mas aqui tem um papel, e com esse papel você pode pedir o livro tal. Esse livro mudou a minha vida”. Agradecemos, e eles foram embora, felizes de ter cumprido o que sua religião manda – não basta acreditar, tem que aumentar o rebanho. Eram mórmons. Eu tive que falar pro maridão: “Por que, ó Senhor, por que fazer dois carinhas tão lindinhos gente tão religiosa? Por que eles não podem ser adeptos do amor livre?”. O maridão ainda estava na parte do “seu esquilo”.

E por falar em esquilos, desta vez pegamos um maníaco. Tão maníaco que, mesmo depois de ter devorado ou enterrado uns dez amendoins, ainda partiu pra cima de outro esquilo que queria um reles amendoinzinho. Eu apelidei o maníaco de Coringa. Esse não tinha o menor medo da gente. Pelo contrário. Se a gente demorava meio segundo pra dar o amendoim seguinte pra ele, ele já ficava em duas patinhas, nos encarando, quase ameaçando subir nas nossas pernas e escalar até as nossas mãos. Todo mundo passava e falava “How cute!”, mas eu sabia a verdade. Tanto que falei pra ele: “Ó, você pode estar fazendo o maior sucesso entre os humanos, mas desconfio que você não seja muito popular entre seus colegas esquilinhos”. Ele não ouviu e exigiu o próximo amendoim. Quando ele pisou no pé do maridão, ele (humano) até teve de dizer: “Cuidado, tá?! Eu sou maior que você!”. Mas ainda assim achamos de bom tom ir embora. Discretamente, pra ninguém captar o terror em nossos olhos.





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