"A FACULDADE É ASSUSTADORA PARA FÓBICOS SOCIAIS?"
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"A FACULDADE É ASSUSTADORA PARA FÓBICOS SOCIAIS?"


A C. me enviou esta dúvida:

Olá Lola, imagino que já esteja acostumada às merecidas congratulações pelo seu espaço, mas estendo-as a você de qualquer forma.
Bom, gostaria de descrever minha situação e pedir um insight, tanto seu, se possível, já que você está há muito inserida no ambiente acadêmico que é o assunto último da questão, quanto de qualquer um(a) com experiência diferente, se você quiser publicar.
Eu tenho 25 anos e desde os 8 sofro de ansiedade e intermitente depressão, de forma que hoje se encontra em quadro crônico. Como conhecedores bem sabem, esses dois distúrbios costumam ser acompanhados por outros relacionados, em menor ou equivalente escala; no meu caso seria um leve TOC e uma significante fobia social. Juntando-se isso à minha introversão e timidez (são coisas diferentes, mas costumam coexistir), e à assexualidade que apenas recentemente comecei a aceitar, dá pra imaginar que eu não seja exatamente a alma de nenhuma festa.
Mas ok, não tenho intenção ou ambição de ser. Fora a melancolia quase perene, e as dificuldades de rotina que a depressão e ansiedade me causam, eu realmente não tenho nenhum problema inerente com as outras características. Não, pelo menos, até que elas contrastem diretamente com algum ambiente em que sejam, hmm, não lá muito coerentes com o habitat. Tipo o acadêmico. Eu realmente não sou fã. Sem entrar em extensivos detalhes, vamos dizer apenas que não houve uma instância sequer, desde o jardim de infância ao fim do colegial, em que eu não tenha passado um bocado bíblico de bullying.
Foram “brincadeirinhas” com mijadas, agressões físicas diversas, o mais pacífico e bem vindo ostracismo, as mais comuns e por algum motivo mais dolorosas humilhações de apontar e rir (por que será que ter um monte de gente rindo de você parece tão pior que levar uma bola de basquete na nuca?) das quais não raramente os professores também participavam, e é claro, as insinuações sexuais das séries mais tardias (e a eventual experiência nojenta, mas isso é outra história). 
É dizer pouco que fiquei besta de feliz ao concluir esse trâmite social. Mas daí veio aquele outro detalhe do processo humano moderno, que é o de que a gente precisa de dinheiro, e dinheiro ocorre com trabalho, e trabalho, segundo a lenda vigente, é o castelo além do dragão da faculdade. Poxa, e agora?
Veja que pela minha idade eu consegui evitar a questão por tempo. Trabalhei com telemarketing por um ano, e depois em uma livraria. Estou, no entanto, há 6 meses desempregada, e minha experiência parca, e completa ausência de qualificações (fora meu impecável, ainda que autodidata, inglês) não facilitam muito (acho que meu carisma nas entrevistas também não). 
Pois bem, pensando exatamente nessa qualidade, minha facilidade com o inglês e (se posso incorrer em ligeira bajulação própria) português, estive considerando tradução como uma opção relativamente certeira, ainda mais considerando a solidão e prospecto de trabalho domiciliar associados. 
Gostaria portanto de saber, por meio de alguém da área, o quão hostil, ou não, seria o ambiente universitário, a alguém com essas condições. O que vejo de relatos me faz presumir que sim, mas pensando que o que leva ao relato público é indignação e injúria mais que satisfação, penso que pode ser uma visão muito parcial das coisas.
Gostaria muito do esclarecimento. É possível uma vida universitária enquanto introvertido, basicamente antissocial?
Se for o caso de me recomendar terapia, devo informar que já estou sob tratamento, mas que bem, não é tão simples quanto o popular “vai se tratar” inspira. Não existe terapia mágica que desconstrua facilmente o condicionamento psicológico de uma vida toda, e nem todos tem a sorte fisiológica de responder positivamente a psicotrópicos. 
Eu não sei quando, ou se, estarei jamais desobstruída desses fatores. Então é a partir dessa condição, e sob seu prospecto, que pergunto.
Agradeceria muito o retorno, mesmo que venha a ser desanimador.

Minha resposta: Querida C., vamos ver as experiências de leitoras e leitores. Eu só posso falar da minha. Passei muitos anos em ambientes universitários como aluna, e hoje continuo nesse ambiente, mas como professora. Imagino que dê pra ser não sociável sendo professor (embora não ajude de jeito nenhum). Como alunx é mais complicado.
Minha primeira faculdade foi a de Publicidade e Propaganda, na FAAP, em SP, no final dos anos 80. Tive muito pouco tempo de interagir com meus colegas, pois eu ia direto do meu trabalho, numa agência de propaganda onde era redatora, pra faculdade, à noite, e sempre chegava super atrasada. Lembro de pouca coisa: de brigar com um professor porque eu achava Roland Barthes um modismo, de fazer amizade com uma menina deslocada, de emprestar um livro que eu amava, Teenage Romance, pra um colega que queria traduzi-lo -- e nunca mais ver o livro, lógico. 
Ah, teve algo muito gostoso! Uns alunos adaptaram um poema meu e encenaram uma peça teatral. Foi bem emocionante.
Larguei a faculdade no meio por uma série de motivos (o principal é que eu não passava na primeira matéria, pois sempre chegava atrasada). E me arrependi. Eu devia ter continuado. É muito, muito mais fácil fazer faculdade com 20 anos que com 30.
Mas foi com 30 que voltei a uma faculdade, desta vez para uma especialização em inglês, na Univille, em Joinville. Eu era a única aluna sem graduação numa turma de 25 alunas (acho que só tinha um homem), quase todas professoras (como eu era), algumas secretárias. Eu realmente não sei porquê, mas me dei bem com toda a turma. Acho que me destaquei rapidamente e assumi uma postura de "Posso ajudar?". Que é muito melhor que ser arrogante, certo? 
Eu era bacana com toda a turma, professorxs inclusas, e a turma retribuía sendo carinhosa comigo. Tanto que no dia do meu aniversário levaram um bolo e interromperam a aula pra cantar parabéns e tal. Nunca vou esquecer, porque foi tão inusitado. Fiz grandes amizades nessa turma e também ótimos contatos profissionais, incluindo aí meu futuro orientador no doutorado na UFSC (ele foi professor de uma das disciplinas na especialização). Mais tarde dei aula de inglês e treinamento de professores para várias colegas. Ou seja, compensou muito ser sociável e prestativa. 
Essa excelente experiência não se repetiu quando voltei à graduação, desta vez em Pedagogia. Comecei na Univille, e pude utilizar vários dos créditos que tinha da faculdade de propaganda. Portanto, não cursava muitas aulas com minhas colegas, e não me entrosei. Mas havia outra coisa: eu estava lá pelo diploma. Precisava do diploma pra poder fazer o que eu realmente queria (e já me sentia capacitada a fazê-lo), que era o mestrado em Literatura em Língua Inglesa na UFSC. Essa não é uma boa postura. 
Depois de um ano, me transferi para uma outra faculdade particular (curso público e gratuito em Joinville na época -- final dos anos 90 --, só os de Exatas), a Associação Catarinense de Ensino (ACE). Fiz isso pra economizar um ano de curso e R$ 4 mil no total (que na época era uma fortuna pra mim: um quinto do que eu ganhava por ano). 
Foi um tempo difícil, porque eu estudava de manhã, das 7:30 às 11:30, e trabalhava como professora de inglês e coordenadora acadêmica numa escola de idiomas, das 14 às 22. E já estava escrevendo pro jornal! Não sobrava tempo pra nada (tipo hoje). Quando chegou a hora de fazer estágio, teve que ser no horário de almoço mesmo...
Como só cheguei na ACE no segundo ano, todos os grupos que apresentam trabalhos juntos, todas as panelinhas, já estavam formados. Eu me juntei a três outras alunas que também estavam chegando atrasadas. Não foi a melhor atmosfera. Eu não era antissociável, mas meus interesses eram completamente diferentes aos do resto da turma. Eu tinha tão pouco tempo livre que preferia aproveitar intervalos (e aulas que eu considerava que não estavam me acrescentando nada) para discretamente pegar um livro e ler. 
O episódio em que eu quase fui linchada na faculdade por uma crônica que escrevi pro jornal também não ajudou. Imagine se eu tivesse o blog! 
Entrar pro mestrado foi uma maravilha. Mas, de novo, olha a diferença de postura: eu fazia faculdade pelo diploma, como uma obrigação, um fardo; eu ia fazer mestrado pelo prazer de estudar. E eu amei o mestrado. Sei que sou ingênua, mas nunca percebi nenhum clima de competição entre os colegas. Era cooperação, colaboração, não competição.
O doutorado foi bem mais solitário, mas também foi ótimo. Não posso reclamar de nada.
Depois eu ainda enfrentei uns poucos meses de graduação a distância. Olha, ainda bem que foram poucos.
Ok, não respondi em nada sua pergunta, né? Bom, sinceramente, eu diria: fuja dos trotes. A maior parte é uma estupidez preconceituosa. Dizem que eles integram, mas creio que há outras formas de integração. E, se você já não é muito festeira, não precisará disso.
Acho que ser simpáticx e sorridente são qualidades que fazem o mundo melhor, então faça um esforço. Cara fechada afasta, e você não quer afastar toda a galera na faculdade. Você vai precisar de grupos pra fazer trabalhos, não tem muito como fugir disso. Então tente se envolver com colegas com quem você tenha afinidades. E não só dentro da classe. Não se restrinja a sua turma. Se puder, entre num coletivo feminista. Tente aproveitar a faculdade também para conhecer gente boa. Tem muita gente boa no mesmo barco!
Desculpe não poder te ajudar muito. Sei que estou passando por cima dos vários problemas que você mencionou (fobia social, ansiedade, depressão, TOC etc). Tudo isso, óbvio, faz com que sua situação seja bem mas difícil que ser meramente antissociável. Mas espero que você consiga ter uma boa experiência universitária.




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