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"FAÇO OU NÃO FAÇO UM ABORTO?"
Há três dias descobri que estou grávida. 5 semanas. Nunca imaginei que engravidaria acidentalmente, não descuido da camisinha e faço uma tabelinha de psicopata pra evitar riscos, mas parece que meu corpo me traiu e eu engravidei menstruada. Aquela coisa que a gente só acha que acontece com as outras, e sempre dá uma desconfiadinha se não foi um vacilo. Estou numa relação estável, monogâmica e muito feliz há alguns anos. Não planejávamos viver juntos, não planejávamos filhos e nossos planos de futuro se concentravam em viagens e trabalhos incríveis. Até o resultado do exame de sangue sair eu tinha certeza de que o atraso na menstruação fosse estresse, e passado o pânico inicial que fica martelando "Como assim?!" e "Não pode ser!" na cabeça, consideramos a possibilidade de mantermos a gestação. Mas nós não queremos ser uma família. Eu não quero ser mãe agora (aliás, esse negócio de ser mãe sempre me deixou meio cabreira). A gente já tem 30, ele tem casa própria, nossas famílias apoiariam e amariam a ideia de mais um bebê, daria tudo certo, tirando o fato de que a gente não quer ser família agora. Começamos a considerar a hipótese do aborto, e como dói! Parece que com o número exorbitante de beta HCG no resultado do exame abriu uma porta em mim, algo se transformou pra sempre, e eu não vou conseguir fechar essa porta mais. Por mais que eu não queira essa criança agora, a possibilidade desse nosso encontro gerar vida é uma coisa tão grande e poderosa que tira o sentido de um aborto. Porque um aborto sugere que as coisas vão voltar a ser como eram antes de eu me descobrir grávida, e isso é impossível. E eu não sei o que fazer. Meu companheiro é evangélico e entrou em contato com o feminismo através do nosso relacionamento. Hoje ele está com estofo o bastante para ajudar a irmã que é vítima de violência doméstica e pra dizer que me apoia e me ama no que eu decidir, e que ele conversa com deus depois. Não acho que eu possa decidir isso sozinha, jamais seria mãe sem alguém pra dividir comigo as responsabilidades, mas enfim, ele não está se esquivando de me ajudar na decisão também. Nunca imaginei que essa decisão fosse tão séria e dolorida. Nunca achei que uma gravidez tivesse um efeito tão grave sobre mim. Tenho conversado com amigas que optaram pela interrupção da gravidez pra entender como elas superaram, mas estou escrevendo porque conversar com quem não me conhece pode trazer um olhar isento e menos piedoso. As pessoas que estão próximas ficam felizes com a notícia e nem sequer consideram a possibilidade de eu não querer ser mãe. Com raríssimas exceções, ficam chocadas quando eu digo que não estou pensando em continuar a gestação. Eu sei que eu tenho duas opções aqui, as duas parecem devastadoras e definitivas. Numa delas eu viro mãe, nós viramos uma família, dependentes de uma rede de familiares e amigos pra podermos continuar trabalhando e existindo fora do núcleo familiar, eu viro uma coisa que eu não quero virar agora e assumo a responsabilidade por uma vida pelo resto da minha vida; na outra eu encaro uns demônios bem feios, eu sofro sozinha uma violência contra o meu corpo, eu saboto (é assim que eu sinto) uma possibilidade de revolução pra não saber pra onde ir, e preciso aprender a lidar com a sensação de rejeitar (um bebê, uma família, um futuro) e ser rejeitada (pelo parceiro que não será o pai do meu filho). Eu não quero levar essa gravidez adiante, mas não sei como vou existir depois de terminá-la. Como vou voltar a fazer sexo, se eu não estou conseguindo deixá-lo tocar na minha barriga desde que descobri que estou grávida? Como vou voltar a trabalhar pra pagar conta e dividir apartamento com amigos sendo que eu descobri que tenho superpoderes?! E isso porque ainda nem entrei no pânico da ilegalidade, escolher médico através de indicações discretas de pessoas de confiança, achar uma clínica limpa e segura, encontrar amigxs dispostos a emprestar uma quantia considerável de dinheiro (que nós não temos e não é uma causa que seria apoiada pelas famílias), o medo das violências futuras por parte de quem descobrir, ou vai saber se o próprio médico não é um escrotão hipócrita, e passar por algum tipo de violência obstétrica numa situação dessas, credo, não gosto nem de pensar. É isso, Lola, estou pedindo um socorro na forma de apoio moral porque o que você escreve é muito importante e você está longe o bastante pra não me julgar, nem pra se alegrar e dizer que eu vou ser uma mãe linda como metade das pessoas (e você pode imaginar meu desespero ao ouvir) nem pra afirmar que eu não estou pronta.
Minha resposta: Querida A., Vou ser direta: continue a gravidez e tenha este filho. Do jeito que vc está pesando a situação, acho que vc já fez sua decisão. Olha só, vc diz que não sabe como vai existir depois de um aborto, e que isso destruiria seu relacionamento. A alternativa é ter o bebê, algo que vc não queria, porque não pensava em constituir uma família, pelo menos não agora. Querida, a enorme maioria dos héteros engravida nessas situações. É no "sem querer" mesmo. Quanta gente você conhece que nasceu de gravidez pensada, planejada? Compare com quanta gente nascida de uma gravidez não planejada. A gente definitivamente não é um animal que pensa muito antes de se reproduzir. Mas uma gravidez não planejada não quer dizer necessariamente uma gravidez indesejada. Vc pode passar a desejar essa gestação, pode aprender a amar essa consequência do seu superpoder que vc carrega no seu corpo.
Deixa eu te contar duas historinhas. Uma vez, na escola de inglês onde eu dava aula, uma professora muito gente boa estava num dilema terrível. Ela, casada, já com um filho, tinha engravidado sem querer. Ela não queria esse bebê, até porque estava passando por uma grande crise no casamento, a família passando por dificuldades financeiras... só problemas. Ela me procurou pra conversar comigo e perguntar o que fazer. Era uma situação diferente da sua, porque ela não estava tão arrasada com a possibilidade de fazer um aborto. Eu disse que, se a situação estava tão difícil assim, ela deveria realmente considerar um aborto (e é aquele negócio, né? A gente fala sem saber nada sobre clínicas, sobre remédios, sobre nada). Ela mudou de ideia diversas vezes e acabou tendo o bebê, uma menina. E devo confessar que, sempre que via essa menina, eu me sentia culpada por ter falado pra minha amiga fazer um aborto. É porque aborto é algo horrível mesmo. Eu defendo a legalização do aborto, defendo que cada mulher possa escolher (e obviamente a enorme maioria já escolhe, e vai continuar escolhendo, prosseguir com a gravidez), e claro que muitas pessoas (não só mulheres, como homens que insistem pra que suas parceiras abortem, o que não é nada incomum) não se sentem culpadas após um aborto. Depende de cada um. Só que nunca vi alguém que defende a legalização e descriminalização do aborto defender o aborto em si, como se fosse algo bacana e tranquilo, como se fosse um anticoncepcional. Não é. Eu nunca fiz um aborto, e tive a sorte de, ao contrário da maioria esmagadora das mulheres, nunca ter passado pelo susto de "estou grávida, e agora?". Isso da menstruação atrasar e tal. Bom, aí é que entra a segunda historinha. Nunca diga nunca. Uns seis anos atrás, eu com quarenta anos, a menstruação não veio. Eu não fiquei desesperada, porque achava que não estava grávida, porque foram muitos e muitos anos com um só parceiro (o maridão), e sem alarmes falsos. Mas e se estivesse? Acho que foi no final de 2006, quando a gente estava se preparando pra viajar pro doutorado-sanduíche. Conversei com o maridão (lógico! Seria inconcebível decidir algo sem dialogar com a pessoa que amo), sobre o que faríamos se de fato eu estivesse grávida. A decisão foi que seria um sufoco, mudaria toda a nossa vida, mas que teríamos o bebê. Comprei um kit na farmácia pra testar gravidez -- a única vez que precisei testar -- e, ufa, deu negativo. Eu não estava grávida, e a menstruação demorou mais um tempão, mas veio. E se eu ficasse grávida hoje, aos 46 anos? Eu interromperia a gravidez. Porque seria arriscado ter o primeiro filho nessa idade. Querida, você tem o meu apoio moral pra qualquer coisa que decidir. Ninguém deixa de ser feminista por engravidar sem querer e ter o filho (aliás, tá cheio de mãe que é feminista, ainda bem!), e ninguém vai pra um inferno que nem existe por abortar. E nem sei se dá pra fazer esse paralelo, porque tem tanta mulher que aborta, e a maior parte obviamente não é feminista. Muitas das brasileiras que abortam têm o seu perfil: estão num relacionamento estável, na sua faixa etária (e são católicas). Enfim, a verdade é que mulheres que abortam são muito parecidas às mulheres que têm filho. Até porque muitas das mulheres que fizeram um aborto já tinham um filho. E porque fazer um aborto não impede que a mulher seja mãe depois, quando quiser. Só que, no seu caso, do modo como vc redigiu o email, um aborto seria devastador pra você, e pro seu parceiro. Acostume-se com a ideia de que você será mãe, certamente amará seu bebê, e mudará a sua vida. Não necessariamente pra pior. A vida está cheia de percalços e acidentes e coisas não planejadas. Nem toda mudança é ruim. Muitas podem ser ótimas. Abração com muito carinho da Lola
Resposta da A.: Primeiro de tudo, imensamente obrigada pela sua resposta. Você pode ter imaginado como foi minha semana, absorvendo essa informação da gravidez e pensando no que fazer. Gostaria de falar que decidi interromper a gravidez, e estou quase tranquila com a decisão. Depois do pânico da notícia eu considerei ter, depois desconsiderei, e nenhuma das duas possibilidades aliviava meu coração, por diferentes razões. De um lado eu não queria ter um filho agora, não consigo imaginar ser mãe agora; de outro lado, esse sentimento de rejeição tão violento que brotava da ideia do aborto era horrível, horrível. Fui conversar com as amigas que interromperam a gravidez pra entender e ser entendida na minha dúvida, porque o conselho geral é: na dúvida, não tira. E eu estava em dúvida, e como estava... E vi que a vida continua, sabe? São tantas histórias, Lola, tantas! Eu estou grávida e devo lidar com as consequências, claro, mas quais serão as consequências? Acho que virar uma família agora pode ser igualmente devastador pra mim e pro meu companheiro, tanto quanto tirar. Um filho, Lola? Um filho é consequência demais pro momento... E no nosso coração, meu e do meu companheiro, nós percebemos que tudo entre a gente vai mudar, porque nunca tínhamos nos visto como uma possível família, e fomos obrigados pela circunstância a nos vermos assim, e é um ponto sem volta pra nossa relação e na nossa vida. E o que nos tranquilizou com relação ao aborto foi pensar que no que nos diz respeito como casal, teremos tempo de fazer melhor do que isso pra sermos uma família, pra escolhermos ser uma família e respeitar o nosso tempo de crescimento até esse ponto. Médico indicado, dinheiro quase levantado. É horrível que para isso eu seja considerada criminosa, Lola, essa é uma coisa que no momento está me deixando isolada de um monte de gente. Te impede de pedir ajuda, impede de pedir dinheiro emprestado, de pedir apoio e colo. Conto com o apoio de parte da família e alguns amigos, mas meu companheiro, pelo seu círculo próximo ser muito religioso e bem mais conservador que o meu, não tem pra quem pedir ajuda, de nenhum tipo, e não, não está sendo fácil pra ele só porque o corpo é meu, foi uma decisão muito difícil pros dois, e pra ele vai ser uma longa conversa com deus ainda pra ele se sentir tranquilo com essa escolha...
Euzinha: Imagino como deve ter sido sua semana... Bom, como eu te disse, vc tem o meu apoio moral em qualquer decisão que vc tomar. Se vc decidiu pelo aborto, tudo bem. O que me preocupou no seu primeiro email é que vc parecia muito mais inclinada a ter o filho que a abortar. O peso que vc dava a uma das opções era desproporcional. Mas, agora que vc já conversou com amigas, agora que vc já tem uma clínica e já levantou o dinheiro, e agora que vc tem o apoio do seu companheiro, a situação parece estar melhor. Concordo contigo que é horrível que vc tenha que agir escondido e possa ser vista como criminosa. Numa hora em que vc tanto precisa de apoio, este apoio é negado. E concordo também que um filho é consequência pra vida toda. Só posso te desejar agora um aborto tranquilo, sem traumas, e que vc e seu companheiro consigam se recuperar o mais rápido possível. Não vai ser fácil. Nunca é, pelo que boa parte das mulheres conta. Mas vc vai poder ser mãe quando e se quiser, quando e se chegar a hora certa. Pra mim, um feto não é uma pessoa, é um projeto de vida, uma vida que pode ou não se desenvolver. Não dá pra dizer que algo que ainda não nasceu pode morrer, sabe? Ele só para de existir. Fique bem, querida. Vc e seu companheiro.
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