DIA DE LUTA. NÃO SÓ HOJE
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DIA DE LUTA. NÃO SÓ HOJE


bell hooks (ela prefere que seu nome não tenha letras maiúsculas) começa seu livro O Feminismo é para Todos contando que costuma dizer que é escritora, teórica feminista, e crítica cultural. Quando ela diz que analisa os meios de comunicação, todo mundo acha legal. Mas quando chega na parte da “teórica feminista”, o pessoal vira a cara. E diz pra ela o que praticamente toda feminista já ouviu: que o feminismo é ruim, que as feministas odeiam os homens, que elas querem ir contra a natureza, que são lésbicas, que elas estão roubando empregos e tornando a vida difícil para os homens brancos. Se hooks pergunta de onde eles tiraram tanta informação sobre feminismo, eles não sabem especificar. Nunca leram nada sobre feminismo, nem ouviram palestras feministas. E é interessante como falam em feministas como “elas”, não “vocês”. Se hooks fala do feminismo que ela conhece, eles respondem que ela é diferente. E por isso que ela quis escrever esse livrinho simples e delicioso. Ela gosta de uma definição fácil: “Feminismo é um movimento para acabar com o sexismo, com a exploração sexista, e com a opressão”. Perceba que em nenhum lugar na definição consta que o feminismo odeia homens ou quer acabar com eles. Acabar com o sexismo é bem diferente de acabar com os homens.
hooks é uma feminista negra. E, como tal, ela sente na pele que muitas vezes as mulheres brancas de classe média têm muito mais em comum com homens brancos de classe média que com mulheres negras e pobres, por exemplo. Portanto, não é só o fato de sermos mulheres que nos une. Desde o início da sua luta, hooks notou que feministas negras, assim como muitas lésbicas brancas (e, pra quem acha que toda feminista é lésbica, saiba que, no final dos anos 60, as feministas hétero foram extremamente resistentes a aceitar feministas lésbicas no movimento -– e isso não é um elogio), tinham problemas com feministas brancas que diziam que o feminismo era apenas sobre conseguir igualdade com homens no sistema vigente. Era evidente pras feministas negras e as feministas lésbicas que elas nunca teriam igualdade dentro de um sistema de supremacia branca e patriarcado capitalista (hooks define patriarcado como “sexismo institucionalizado”). Ou seja, as feministas mais revolucionárias (palavras da hooks) não querem apenas mais direitos dentro do sistema -- elas querem transformar o sistema.
As feministas mais mainstream tornaram o feminismo mais acessível ao espalhar a ideia que podem co-existir tantos feminismos quanto há indivíduos, mas, pra hooks, essa visão despolitiza o feminismo. Eu já ouvi isso diversas vezes: que tanto faz se uma mulher é conservadora ou progressista, ela pode ser feminista. Em outras palavras, no caso de mulheres conservadoras, que elas podem ser feministas sem querer mudar o sistema. Poder, podem. Mas tem como mudar todo um sistema de exploração machista, racista e classista sem mexer nesse sistema?
hooks defende algo que eu sempre defendi: que, sem o envolvimento de homens como aliados do feminismo, o movimento não progride. Homens precisam repensar o modelo de masculinidade que querem seguir. Precisam confrontar os inúmeros problemas que o sexismo causa também a eles. E que tod@s nós, mulheres e homens, devemos confrontar o sexismo que está internalizado dentro da gente. Isso inclui nós feministas. Como diz hooks: “Fomos socializadas como mulheres pelo pensamento patriarcal para nos vermos como inferiores aos homens, para nos vermos em competição umas com as outras por aprovação patriarcal, para nos olharmos com inveja, medo, e ódio. O pensamento sexista nos fez julgar sem compaixão e punir duramente umas as outras. O pensamento feminista nos fez desaprender este auto-ódio imposto”.
hooks e outras feministas negras são fundamentais pro feminismo. Mas hoje é Dia Internacional das Mulheres, não necessariamente das feministas. E, como tudo no mundo, a data foi banalizada pelo capitalismo. Pra muita gente que não tem contato com o feminismo, virou dia de mulher receber uma rosa e ouvir um "parabéns por ser mulher" (alguns exemplos incríveis aqui). E, bem no nosso dia, ouvimos as mensagens que refoçam os estereótipos, como "Mulher, você é a coisa mais linda do universo, porque você cria a vida" (uma só frase pra lembrar nossos dois papéis na sociedade: sermos decorativas e sermos mães).
E é por isso que o feminismo é fundamental. Pra lutar. Pra fugir do senso comum. Hoje é uma data importantíssima pro feminismo, com eventos, celebrações e reivindicações por todo o Brasil. A data é uma conquista do feminismo, não do capitalismo distribuidor de rosas que diariamente nega e reforça o sexismo.
Vale lembrar que uma pesquisa recente da Perseu Abramo/Sesc feita com milhares de mulheres apontou que 31% das brasileiras se assumem feministas. 31% é muita gente. E isso que o levantamento excluiu quem não sabia o que era feminista (teve muita mulher que pensou que a pergunta fosse “você é feminina?”. Portanto, a pesquisa quis saber o que as entrevistadas entendiam por feminismo, e descartou respostas sem noção. E ainda assim deu 31%). O que quer dizer que não é todo mundo que cai no estereótipo de que feminista é um bicho peludo e bigodudo que detesta homens. Não apenas tem muita mulher que não cai nessa mentira, como um terço das mulheres se diz feminista. Tem cada vez menos gente virando a cara pro feminismo.
O que também quer dizer que já passou da hora de sermos doces e delicadas como rosas. O nosso feminismo tem espinhos. Comemoramos o Dia Internacional da Mulher sem esquecer nem por um minuto que todo dia é dia de lutar por um mundo melhor.




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