NÃO TEM CLUBINHO PRA DETERMINAR QUEM É FEMINISTA
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NÃO TEM CLUBINHO PRA DETERMINAR QUEM É FEMINISTA


Ninguém deixa de ser feminista, a meu ver, por fazer as unhas, frequentar salão, casar virgem, ficar em casa cuidando dos filhos. Mas ninguém é feminista só por fazer qualquer uma dessas coisas. Não dá pra chegar anunciando “Olhem só pras unhas lindas que consegui após passar cinco horas no cabeleireiro! Yay! Sou feminista!”. Mas só chegar e falar (como eu falo) “Nunca pintei as unhas! Odeio cabeleireiro! Sou feminista!” também não é suficiente. Claro, é um discurso que receberá menos olhares de “WTF? O que ela andou fumando?” que a moça das unhas pintadas que acha que, por isso, é feminista. Mas eu posso não fazer as unhas e ao mesmo tempo achar que mulher é inferior ao homem –- o que definitivamente não é um argumento feminista por qualquer ângulo que se analise.
Acho tudo complicado, pra ser franca. Não sou da praia de um tipo de feminismo que considero elitista. É o feminismo que diz que você precisa ler teoria feminista pra ser feminista. Eu me considero feminista desde os oito anos de idade, e só devo ter tido meus primeiros contatos com teoria feminista aos trinta e poucos (ou mais). E aí, eu não era feminista antes? Quem disse? Tem uma banca que vai me testar e ver se sou aprovada como feminista? Passa a bibliografia, por favor. E qual teoria devo ler? Porque há correntes do feminismo que não gostam nem um pouco de outras correntes. Então, vai ter teste? É de múltipla escolha?
Sorry, maior besteira isso. Eu quero mais é que todo mundo se diga feminista. Pra mim isso é muito mais importante que ter um grupinho de feministas “esclarecidas”. Sei que, como acadêmica, eu deveria ser mais corporativista e defender uma seleção que privilegie a teoria. Mas não sou dessas.
E aí, todo mundo pode se dizer feminista? Ish, também não é assim. Mas se a Sarah Palin (candidata a vice-presidente dos EUA pelo Partido Republicano nas últimas eleições) se declara feminista, quem sou eu pra discordar? O partido que ela representa certamente não é feminista (pelo contrário, é gente dessa laia que inventou um termo como feminazi), seu eleitorado não é feminista -– mas eles nunca disseram que eram. Agora, ela disse. Vou encarar? Eu poderia dizer que feminismo é um movimento revolucionário, e como tal não combina com conservadorismo ou com a direita. Posso citar bell hooks, que diz, com muita propriedade, que feminismo não é uma luta pela igualdade (afinal, nós mulheres queremos ser iguais aos homens de que classe social?), e sim uma luta contra a opressão. E nessa definição não entra gente que apoia e justifica a opressão, que é o caso da direita. Só que eu, pessoalmente, não tenho a menor vontade de ser leão de chácara na porta de um clube privê, decidindo quem pode ou não pode entrar no feminismo.
E nem quero pertencer a um clubinho. Eu vibro com uma pesquisa como a da Perseu Abramo/Sesc, que apontou que 31% das mulheres brasileiras se declaram feministas (o levantamento excluiu quem não sabia o que era feminista, quem confundiu a pergunta com “você é feminina?”). Fui colocar essa minha celebração com a pesquisa no blog um dia desses, e veio um mascu dizer: “31% das brasileiras se assumem feministas? SÓ? Tá vendo, o feminismo é um fracasso mesmo!”. Pois é, mané, quantos homens brasileiros se assumem masculinistas? (existe algum mascu que se assume mascu?). 31% é um número enorme. Com todo o senso comum propositalmente preconceituoso clamando que feministas são ogras bigodudas peludas e mal amadas que detestam homens, é espantoso que um terço das brasileiras tenha a coragem de afirmar que é feminista (a Carla Rodrigues tem um ótimo post sobre o assunto).
Um terço de um grupo historicamente discriminado se dizer parte da luta contra essa discriminação é maravilhoso. No entanto, do jeito que algumas pessoas, feministas inclusive, falam, parece que somos 0,0001%, e que precisamos gritar “Por favor, goste da gente, vai!”. Movimento pra transformar o mundo não é clubinho pra fazer amizades. O que seria mais eficaz na linha “fazer amigos e conquistar pessoas”, seguir direitinho o roteiro mastigado que deram pra gente, ou se rebelar? Quem vai ser mais querida num mundo machista, a moça que se diz feminista ou a que faz o que a sociedade espera dela?
Eu fico entediada com gente que tem medo de “oh meu deus, o que será que pessoas que sabem bulhufas sobre feminismo vão pensar sobre as feministas?”. Nesse grupo de ativistas com medo de serem vistas como ativistas vêm o pessoal que acha que qualquer coisa que vai contra a sua linha de pensamento depõe contra o movimento. Por exemplo: pra mim é compreensível que um leigo machistão que já chega com aquele papo de “Não sou machista nem feminista” vá apelar pro velho “Feministas radicais como você depõem contra o feminismo!” logo na primeira oportunidade. Mas e quando feministas que discordam de alguma coisa que você diz vem com o papo de “Feministas como ela depõem contra o feminismo!”? Pô, pelamor! Quem depõe contra o feminismo? As feministas, ou a sociedade machista em que vivemos? Quem usa todas as armas possíveis para jurar que o feminismo até que foi importante um dia, mas assim que as mulheres passaram a ter direito a voto, pra quê, né? Quem é que pinta as feministas como gente que quer exterminar os homens? (O Feminist Frequency outro dia apresentou um vídeo de como as feministas são representadas em filmes e séries. E é só pensar: qual a única feminista que os misóginos conhecem? A Valerie Solanas do Scum Manifesto, que nunca foi ninguém na night. Qual a feminista mais famosa que os leigos conhecem? A Camille Paglia! Por que será que ela tem tanto espaço na mídia? Porque ela fala mal de todas as feministas. O pessoal adora repetir: “Feminista é feia e mal amada mesmo. Até as feministas – leia-se: Camille -- concordam!”). Então de um lado a gente tem o ódio ao feminismo (e a todos os tipos de ativismo) sendo martelado nas nossas cabeças 365 dias por ano, veiculado na mídia de massa, e do outro lado meia dúzia de feministas que estão fora da mídia tradicional. E quem a gente culpa por fazer com que pessoas que não sabem absolutamente nada sobre feminismo e não têm o menor interesse em aprender detestem o feminismo? As feministas, ué. Óbvio.
(Este post não está direcionado a ninguém em particular. São pensamentos imperfeitos que eu venho rascunhando há meses. Mas é o que eu sempre digo: vamos parar de ser tão críticas com nós mesmas e com outras mulheres e, mais especificamente, com outras feministas. E não precisamos competir. Precisamos cooperar. A união faz... coisas doces).




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