ALEX, FEMINISTAS, E A FALTA DE REPRESENTATIVIDADE
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ALEX, FEMINISTAS, E A FALTA DE REPRESENTATIVIDADE


Eu não queria muito me meter nessa treta porque só umas quatro pessoas pediram minha opinião. 
A verdade é que, como não tenho Facebook, talvez eu nem tivesse sabido dela se uma leitora não tivesse me enviado um email no sábado de manhã. E ela só mandou "pra avisar que [eu fui] citada num post beeemmmm polêmico". 
O post, "Carta de Repúdio à Revista Fórum sobre o espaço concedido a Alex Castro", publicado no FB por uma página recém-criada chamada Imprensa Feminista, ficou no ar pouco tempo. Depois reapareceu, com algumas modificações (por exemplo, o nome do escritor aparece muito menos, e o título foi abreviado para "Carta de Repúdio") num novo Tumblr. Ontem à noite, a página no FB voltou.
Assinada por cerca de 60 coletivos feministas (grande parte páginas de FB), a carta protesta que a revista abra espaço "a um homem branco, cisgênero [não trans] e heterossexual para falar de movimentos sociais que não o representam". Protesta também contra a "posição colonizadora" da revista, que estaria "tirando a oportunidade dos participantes desses movimentos de falarem por si mesmos". Os coletivos signatários da carta consideram o trabalho de Alex "superficial e irresponsável", e acusam o autor de "fazer do sofrimento alheio o seu lucro" (essa parte foi tirada da nova versão). 
A Fórum respondeu ontem com uma nota no FB, dizendo que vinte blogueiros contribuem com a revista, entre eles o Blogueiras Negras (que assinou a carta), o Blogue dos Indígenas, o Blog Quilombo, e o Questão de Gênero, assinado pela jovem blogueira negra Jarid Arraes. 
Falei com Renato Rovai, editor da Fórum, ontem no Twitter, por mensagem direta. Ele me disse que Alex se ofereceu para escrever uma coluna, de graça, e ele aceitou. Renato afirmou que gostaria de convidar várixs blogueirxs, mas esbarra na questão financeira de uma revista de esquerda com poucos recursos. Alguns dos colunistas são pagos, outros não. Alex não é pago. Jarid é (mas ela também faz matérias). Outros, eu não sei.
Não é segredo algum que as mulheres são minoria nas colunas de praticamente todas as revistas (com exceção das ditas revistas femininas) e jornais impressos. A estatística que conheço (ouvi do candidato a prefeito pelo PSOL, Renato Roseno, com quem tive o prazer de dividir uma mesa sobre Direitos Humanos no ano passado) é que, de todas as colunas em veículos impressos, apenas 8% são assinadas por mulheres. Muito embora 64% dos jornalistas brasileiros hoje serem do sexo feminino, elas não estão em cargos de chefia, nem assinando colunas. 
Isso não é difícil de conferir. Contei rapidamente 130 colunistas na Folha de S. Paulo. 34 são mulheres (26%). No Estadão, são 56 colunistas. 10 são mulheres (18%). No Globo, há 24 colunistas. 8 são mulheres (30%). Na Veja, todos os 8 colunistas de "Política, Economia, Opinião" são homens. Há também 9 colunistas nas seções de Saúde e Variedades. Desses, a maioria (6) são mulheres. Na IstoÉ, há 14 colunistas. 4 são mulheres (29%). 
A bomba é que nenhuma revista parece ser pior que a Carta Capital. Em sua edição impressa, ela conta com 29 colunistas, entre eles Drauzio Varella, Jean Wyllys, Delfim Netto e Vladimir Safatle. Apenas uma (3%), Vivi Whiteman, é mulher. Ela fala sobre moda. 
Se a gente for falar de quantos negros e negras, ou gays e lésbicas, ou trans, assinam colunas, tenho certeza que a falta de representatividade é muito maior que a de mulheres. 
Suponho que todos os colunistas de jornais e revistas impressos sejam remunerados. 
Mas imagino que, quando falamos de blogueiros que escrevem para esses mesmos veículos, a situação seja bem diferente. Entre os blogs (não colunas impressas) da Carta Capital, há blogs importantes de mulheres, como o de Cynara Menezes, Maíra Kubik Mano, e o Escritório Feminista, criado por Aline Valek, Djamila Ribeiro, e Clarah Averbuck. Cynara é contratada pela revista; as outras, não sei. Sei que Nádia Lapa teve um blog na Carta durante alguns meses, sem receber por isso. 
A internet tem o lado maravilhoso de possibilitar que mulheres que nunca têm espaço na mídia tradicional possam fazer seus blogs e, com o tempo, encontrar um público leitor. Mas ganhar dinheiro na internet com o que você escreve é outra história. Talvez blogueiras de moda e blogueiros de humor com milhões de visitas consigam anunciantes. De toda forma, é para poucos. Meu blog, bastante frequentado (hoje tem 200 mil visitas por mês), recebeu, durante uns dois anos, uma média de R$ 150 mensais com compras que o leitorado fazia pelo Submarino. Eu pude esgotar duas edições pequenas de um livro meu com vendas diretamente pelo blog. E só. Não consigo nem instalar AdSense, porque o Google considera o conteúdo do blog (que, como tantos blogs feministas, fala de aborto, sexo, estupro etc) impróprio para seus anunciantes. 
Resumindo, e dizendo o óbvio ululante: a vida de uma mulher -- principalmente se for uma feminista -- que quer viver de escrever não é fácil. Mas a culpa não é de um cara que tem um blog. E fazer uma carta coletiva contra esse cara é um equívoco. Pior: soa como perseguição pessoal. 
Não sei como começou essa antipatia de tantas feministas pelo Alex, mas ela existe e é antiga. Também tem muita feminista que adora o Alex, claro. Eu não sou uma delas. Sempre o achei arrogante, narcisista, com um tom blasé que detesto, uma inabilidade em debater e assumir posições. Não me considero uma pessoa rancorosa, mas nunca o perdoei -- até porque ele nunca pediu desculpas -- por ele ter trollado um guest post de um rapaz que sofreu com o machismo. Para Alex, o rapaz, ironia das ironias, era um fake oportunista querendo ganhar palmas das feministas. 
Meu outro problema com o Alex é ele achar, e declarar isso sempre que pode, que é o único que fala de feminismo para um público não feminista. Assim, enquanto feministas como eu estariam meramente "preaching to the choir", escrevendo apenas para quem já é feminista, ele sim faz o trabalho desbravador de converter os leigos. Só quem nunca leu caixa de comentários de um blog feminista pode pensar que somente feministas frequentam blogs feministas. E nem estou falando dos trolls. Tem muita, muita gente que chega em blog feminista pensando que feminismo é o oposto do machismo, aí vai ficando e demole um ou outro preconceito.
Já tem muitos anos que Alex escreve contra preconceitos. Eu o vejo como aliado. Nunca o vi como porta-voz do feminismo ou da luta contra o racismo. Já manifestei minha opinião diversas vezes: eu acredito em homens feministas, acredito que eles existam, e que eles podem fazer um ótimo trabalho no combate aos preconceitos. Não no papel de protagonistas, e sim no de aliados. Até porque, num movimento que é tão plural como o feminismo, tão sem hierarquias, não há protagonistas (mulheres ou homens). 
Alex começou uma coluna na Fórum, chamada Outrofobia, em que aborda vários preconceitos. Ele também dá palestras, pagas pelos participantes, sobre "prisões" (racismo, homofobia, monogamia, dinheiro, sexismo etc). Quem não gosta dele ou não gosta do que ele escreve ou o acha raso e superficial tem todo o direito de não lê-lo e de não ir a suas palestras. 
Ah sim, esse é o argumento que babacas fazem quando eu critico Danilo Gentili e afins? "Não vá aos shows dele, não veja o programa na TV"? 
É um pouquinho diferente: primeiro, que Gentili e cia. ganham a vida sendo preconceituosos. Se eles deixarem de ser preconceituosos, eu paro de criticá-los. Segundo: eles ocupam um espaço realmente limitado, que é o da TV, da grande mídia. Ou existem muitos programas feministas na TV? Terceiro: eu não quero censurar. Não quero que ele deixe de ter o programa. Mas quero que ele seja criticado. 
Pra mim, é evidente: machistóides como Gentili (e tantos outros reaças) devem ser combatidos. Se ele ganhar uma coluna numa revista de esquerda, por favor, façam uma carta coletiva contra que eu assino. Se fizerem um abaixo-assinado contra as asneiras reacionárias que Pondé, Reinaldo Azevedo, Jabor, Constantino, Lobão e tantos outros publicam na velha mídia, passa a caneta -- eu assino. Mas desde quando Alex Castro virou inimigo das feministas?
Ele não está falando em nome de ninguém, de nenhuma minoria, está apenas escrevendo sobre determinados assuntos. Nunca vi Alex dizer que representa alguém. Aliás, acho absurdo isso de "Tal pessoa não me representa", como se a pessoa tivesse um cargo público e procuração para representar alguém. 
É um problema mesmo falar em nome de um grupo discriminado. É querer ser condescendente, querer mostrar que aquela minoria precisa de você. Pode ser ingenuidade minha, mas acho que a internet derrubou bastante essa postura. Hoje uma pessoa pertencente a uma minoria não precisa de intermediários ou representantes (se é que já precisou). Ela mesma pode e vai falar. 
Por outro lado, quem considera o feminismo um combate a preconceitos que vão além do machismo, como eu, sente necessidade de falar também contra o racismo, a homofobia, a transfobia, a gordofobia etc. Tudo bem eu falar contra gordofobia -- afinal, sou gorda, ninguém questiona o meu local de fala. Mas falar sobre os outros temas é mais complicado, pois não sou negra, nem lésbica, nem trans. Eu não tenho a experiência que elas têm. Por isso, geralmente publico guest posts de pessoas que tenham essa vivência. E quando eu falo, não falo em nome de ninguém. Falo contra os preconceitos. Pelo que acompanho do Alex, acho que é isso que ele faz também.
Nesta treta, vi um monte de gente que sempre desprezou o Alex correr para atacar as feministas, porque atacar feministas é tipo o passatempo número um da galera desocupada da internet. Vi cisma com nome de coletivo, vi gargalhadas pelo uso de x e @ e termos como cis, vi conclusões de que essas não são "verdadeiras feministas", e de que o "webfeminismo" ou o "feminismo de internet" é uma piada. Esse pessoalzinho não perde nenhuma oportunidade! Sugiro que segurem plaquinhas de "Não preciso de feminismo porque não sou oprimidx mas sou a favor do combate aos preconceitos contra os oprimidos desde que quem combata não sejam essas feministas barangudas". 
Mas também vi gente falando que defender o Alex na Fórum é como defender o Tucanafro. Pra quem não sabe, o PSDB (que nas últimas eleições não elegeu um único deputado ou senador negro) tem um núcleo negro, e a presidente do Tucanafro Roraima é loira. Muito mais ridículo, a meu ver, é o slogan do Tucanafro: "A luta não é do negro, é nossa" (nossa quem, cara pálida? Quem são vocês?). Só que, sei lá, o Alex não constitui qualquer tipo de "núcleo negro/feminista/LGBT" dentro de uma revista, nem a Fórum é uma instituição conservadora e sem negros/feministas/LGBT escrevendo lá.
Outras pessoas levantaram o ponto válido de que "homem feminista ganha estrelinha", ou seja, de que um homem feminista é aplaudido por ser feminista. É uma meia verdade. Até pode ser aplaudido por muitas feministas, mas também será vilipendiado pelos anti-feministas. Quanto a ganhar estrelinha, aí o problema não é com o homem feminista, é com quem dá a estrelinha, não? Participo de um vasto grupo de feministas online. Quando o grupo andava mais movimentado, era muito comum compartilhar e elogiar artigos escritos por homens. Muito mais comum do que compartilhar e elogiar artigos escritos por mulheres feministas...
Já vi Alex ser alçado às alturas por falar o que eu e muitas outras feministas falamos 350 vezes antes dele. Dá raiva, sim (ainda mais num grupo feminista). Mas a raiva não é com o Alex. Não vou chegar pra ele e ordenar que ele pare de falar sobre feminismo porque uma parte da sociedade valoriza mais o que ele diz, por ele ser homem. Tampouco vou dar tapinhas nas costas. Vou criticar o que acho que deve ser criticado, sem que isso soe como o ataque de um grupo contra um indivíduo. Eu quero mais é que Alex, os coletivos feministas, todo mundo fale sobre feminismo. 
Eu, de minha parte, vou continuar falando.




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