BATER EM CRIANÇA MOSTRA CARÁTER
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BATER EM CRIANÇA MOSTRA CARÁTER


Queria continuar só mais um pouquinho com o meu tema da semana passada, sobre o projeto do governo proibindo agressão às crianças. Primeiro que não aceitar punição física é totalmente diferente de não aceitar punição ou castigo para uma besteira que uma criança apronte. Não é tão difícil de entender: quando um adulto comete um crime, depois de julgado e condenado, ele não recebe punição física. Quer dizer, podemos supor que a restrição de sua liberdade, de seu direito de ir e vir, constitui uma punição física. Mas ele não será chicoteado. Tortura e pena de morte não fazem parte da na nossa constituição. Pessoalmente, não acho que um preso deva ser espancado, estuprado, torturado, “pra aprender”. Querer isso é fascismo, é o velho olho por olho, presente em países retrógrados, e até em alguns mais avançados, como os EUA (o único país desenvolvido no mundo, além do Japão, a adotar a pena de morte). Mas com criança é diferente, claro. Ninguém está pregando pena de morte pra criança (ou está? Tenho minhas dúvidas toda vez que se discute a alteração da maioridade penal). Só estou dizendo que punição física não é o único tipo de punição. Pais podem, e talvez devam, restringir a liberdade de uma criança. Castigos, privações, broncas e sermões, tudo isso é válido e necessário. Toda criança (e adulto) precisa conhecer seus limites. O que me espanta é que as pessoas pensem que só dá pra estabelecer limites através da violência!
Além do mais, a gente sabe que criança imita os pais. É contraditório: se você não quer seus filhos batendo nos coleguinhas (e aconselho atendimento psicológico pra quem quer, ou pra quem ainda confunde violência com masculinidade), vai ensinar-lhes que bater é feio... batendo?!
Claro que gritar também não é educar. Muito menos xingar. Não sei, se educar é considerado um gesto de carinho (e uma obrigação para os pais), como gritar, xingar e bater podem ser vistos como carinho? Entretanto, imagino que os mesmos pais fãs da agressão física como forma de educação reprovam a agressão verbal. Suponho que esses pais ficariam horrorizados vendo outros pais dizerem ao filho “seu traste inútil!”. Isso poderia traumatizar a pobre criança. E bater não?
No post da semana passada, recebi diversos depoimentos de leitoras jovens, que ainda (ainda? Talvez não queiram ser nunca!) não são mães, que dizem se ressentir das palmadas que receberam. Para uma, palmada, tapa e puxão de orelha podem até não causar traumas, mas doem. Para outra, apanhar dos pais fez com que ela se afastasse emocionalmente deles, e perdesse o amor que tinha por eles. E também gerou desconfiança, porque ela percebeu que, quase sempre que apanhou do pai, foi por causa do descontrole emocionl e da falta de argumentação dele, muito mais que por qualquer “crime” que ela tenha cometido. Outra lembrou que bater é adestramento, não educação, como dar choque elétrico em ratinhos de laboratório para eles decorarem o caminho. Ainda outra leitora relatou sua história, que é um belo exemplo de como criança não tem voz alguma na nossa sociedade: ao tentar se defender de uma surra aos 12 anos, ela empurrou a mãe. Foi levada à psicóloga, pois onde já se viu bater na própria mãe?! Criança não tem nem direito à autodefesa, um comportamente intuitivo de tantos seres!
Não é bem verdade que pais batem apenas com a intenção de educar. Muitas vezes batem para descontar em alguém suas frustrações. Como qualquer ser humano, pais nem sempre estão certos. Nisso não vai nenhuma santificação das crianças. Não simpatizo com criança que faz birra. Com criança que maltrata animais, então, eu me meto mesmo. Crianças estão erradas um monte de vezes, é inegável. Mas são crianças, seres que consideramos “em formação”. Pode ser que todos nós adultos sejamos seres “em formação”, mas eu, pelo menos, não tenho ninguém com autoridade absoluta e poder de vida e morte sobre mim.
Imagine sua criança chorando, sofrendo, tendo que engolir a comida aos prantos, porque já apanhou e está ameaçada de apanhar de novo, se não comer tudinho. Eu vi uma das minhas melhores amigas fazer isso com seu filho, e juro, doeu em mim (engolir comida sofrendo é sempre deprimente, em qualquer idade). Ela acompanhou a dor de seu filho, a dor que ela causou. Agora, vamos imaginar que outra pessoa, que não ela, fizesse a mesma coisa com o filho dela. Imagino que, nesse caso, ela iria empatizar com seu filho e se revoltar contra a pessoa, fosse ela professora, amiga, líder religiosa, o que for. Então como é que se deixa de empatizar com alguém só porque foi você que julgou, condenou, e aplicou a pena?
Num outro post que escrevi faz tempo, este sobre estupro (sim, por incrível que pareça pais e padrastos que abusam de suas filhas são também os que mais batem), recebi este comentário de uma leitora:
Já sofri muita violência física e psicológica por parte do meu pai. Já apanhei na cara duas vezes (uma aos 10 anos, outra aos 12). Aos 12 por conta de R$5,00. E o pior é que eu sempre ouvia da minha mãe que se eu fosse menos respondona, mais obediente, ele não faria isso. O velho mito da família burguesa que Marx já falava. Quer dizer, os filhos são propriedade dos pais e portanto estes podem fazer o que quiserem, pois tudo se justifica com um 'estou educando'. Enfim, já na adolescência peitei meu pai quando ele quis me bater e nunca mais ele teve coragem de levantar a mão pra mim. Mas novamente fui julgada pela minha família como a garota rebelde que não sabe respeitar pai e mãe. Detalhe: nunca falei um palavrão com ele, nunca tive comportamento difícil do tipo envolver com drogas, roubar, prostituir. E ainda que tivesse não acho que a violência seja o caminho pra consertar um pau que nasce torto.

Há também um paradoxo: apesar do que as pessoas dizem (de que não há mais valores hoje em dia blá blá blá que as crianças não respeitam mais os pais blá blá bom mesmo era quando os militares estavam no poder blá), creio que o comportamento dos brasileiros não mudou tanto assim ― eles ainda batem nos filhos e acham isso ótimo. Mas, se a maior parte enche os filhos de palmadas educativas, por que tanta criança cresce pra virar psicopata, serial killer, troll de internet? (diz aí, meu troll: seus pais batiam bastante em você, né?). Não é possível que todos os adultos estúpidos de hoje sejam os que não apanharam na infância!
Selecionei alguns poucos comentários de leitores do Estadão pra registrar o nível de indignação contra o projeto do Lula. Perceba: a indignação não é contra crianças apanharem, mas contra o governo ousar sugerir que há formas mais saudáveis de educar seu filho:
- “Lembro-me das palmadas e até correadas que levei dos meus pais, quando fiz por merecer. Hoje agradeço a eles por terem me corrigido, com a finalidade de tornar eu e meus irmãos, pessoas de bem.”
- “Aqueles que não são a favor de tornar um corretivo dado pelo pai ou pela mãe, com amor e carinho, não sabem o que é educar um filho. Criem seus filhos com total liberalidade, que no futuro vocês terão a 'recompensa'...”
- “[Menina lavando louça] é crime para esses loucos, exploração infantil.... Gente, isso é loucura, o fim DA FAMÍLIA decretada por estes discípulos de belzebú.”
- “Este país sempre caminhou plenamente de acordo com a moral e os bons costumes, antes que os intelectuais se metessem na vida do povo. Eu levava meus tapas de meus pais quando fazia coisa errada...Meus filhos de mim e de minha esposa, e graças a Deus são formados, trabalhadores, e sem passagem pela policia. Realmente apanhar não deve fazer bem mesmo, mas apenas para quem não tem vergonha na cara...”
- “O Lula não é nenhum expert educacional para opinar. Pelamor, espero que essa lei tenha, no mínimo, bases cristãs para não ser aprovada. Talvez Lula pense assim por ter origens nordestinas. Eu, como paulista, lembro-me quando nordestinos começaram a invadir e formar uma enorme favela aqui em SP, e como os pais eram extremamente agressivos com os filhos, por qualquer motivo, práticas que eram aberrações para a minha cultura de SP (nao quero generalizar).”
- “Então, solta tudo, abram as penitenciárias, assim êles terão mais eleitores, novas brigadas, tipo FARC. É o que essa corja quer!”
Onde que essa gente aprende essas coisas? (ninguém nasce assim!). Ah, já sei: no livro sagrado! Olha só alguns provérbios bíblicos:
- "Quem se recusa a surrar seu filho o odeia, mas quem ama seu filho o disciplina desde cedo."
- "Os açoites que ferem, purificam o mal; E as feridas alcançam o mais íntimo do corpo."
- "Os castigos curam a maldade da gente e melhoram o nosso caráter."
- "Castiga a teu filho, enquanto há esperança, mas não te excedas a ponto de matá-lo"
Pelo menos a bíblia sugere moderação nas agressões físicas. Bata à vontade, mas não a ponto de matar, que se não interfere num outro mandamento aí. Devem ser essas as “bases cristãs” que a pessoa acima citou...
Aparentemente todos esses comentaristas do Estadão apanharam na infância, e dá pra notar como funcionou para que se tornassem adultos tolerantes e livres de preconceitos. Pessoas com caráter!
Se você bate no seu filho, você está do lado deles. E de um cara como o deste vídeo (Prates é conhecido em SC porque tem uma coluna no Diário Catarinense e no Jornal do Almoço, da RBS), que não apenas defende a “pedagogia da cinta”, como também a pena de morte e a ditadura militar. Quase nenhuma pedagoga, psicóloga, doutora em educação é a favor da palmada. Mas eles são. Continue com suas opiniões, desconte suas frustrações no seu filho, fique nessa ilusão que você está educando-o, mas saiba: você não é muito diferente de um Prates. E, se você fica com medo ao ver alguém alterado como um Prates (eu sei que eu fico), lembre-se que seu filho te vê assim quando você vem com o chinelo na mão pra cima dele.
Ah, recomendo o post do Sakamoto.




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