CLÁSSICOS: CANTANDO NA CHUVA / Nada mais divino
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CLÁSSICOS: CANTANDO NA CHUVA / Nada mais divino


É triste como certos gêneros de arte vivem seu apogeu e morrem. Hoje os musicais são renegados. Quais musicais recentes você lembra? Eu só me recordo de "South Park", "Evita" e "Moulin Rouge". Atualmente, gostar de musical virou sinônimo de apreciar cafonices. Pior ainda, homem gostar de musical é um atestado gay, como admirar a carreira da Barbra Streisand. Homem que é homem, a gente sabe, não assiste musical, não chora, não dança, não liga pra roupa... Ih, a lista é imensa. Lembra do Zeca Bordoada, figuraça do "TV Pirata"? Aquele sim era homem com h. Aposto que, enquanto Zeca coçava e arrotava, ele preferia curtir o tradicional cine-porrada a ver pessoas dançando.
Zeca era uma caricatura, uma paródia do machão. Mas hoje um conceituado apresentador pode declarar em off que "balé é coisa de viado" e tudo fica por isso mesmo. Pessoalmente, nunca associei falta de virilidade a homens de collant, uma roupa que ressalta partes instigantes da anatomia masculina. Mas tem quem pense assim. É uma pena que essa gente perca, por puro preconceito, gênios como Fred Astaire e Frank Sinatra cantando músicas de outros gênios como Cole Porter e Gershwin.
Ah, mas tem gente que odeia musicais não por medo de ser associado à cultura gay, e sim porque esse tipo de filme não costuma ter enredo. Musicais, afinal, só intercalam números de dança com historietas sem importância. Bom, pode-se argumentar que todos os filmes, sem exceção, contêm unicamente uma ou duas cenas memoráveis no meio do rolo, e a maioria nem isso. Ah, e tem quem tem ojeriza a musicais porque os personagens não falam, eles cantam, e isso não é real. Sim, claro, realidade a gente encontra no cinema de ação, com todas aquelas explosões mirabolantes... Finalmente, há os adolescentes, que detestam musicais pelo mesmo motivo que mantêm distância dos clássicos – é tudo velharia. Pois é, nada que nasceu antes de mim tem algum valor, de Shakespeare a Beatles. Deve ser tão cansativo reinventar a roda a cada nova geração...
Porém, pra quem tem a alma livre, pra quem gosta de entretenimento de verdade, não dá pra deixar passar em branco a comemoração dos 50 anos de "Cantando na Chuva". Esse clássico não é apenas o supra-sumo dos musicais, mas um dos filmes mais divertidos do cinema. Ele bate todos os recordes de cenas memoráveis. Não sei se você via o programa para cinéfilos "Cinemania", no começo da década de 90. Nele, Wilson Cunha reprisava seqüências marcantes de filmes marcantes. Acho que não houve um só episódio em que pelo menos uma cena de "Cantando" não era exibida.
Por ironia suprema do destino, em 1952 "Cantando" nem sequer foi indicado ao Oscar. Ganhou "O Maior Espetáculo da Terra". E eu que achava que o maior espetáculo da terra era ver o Gene Kelly sapateando... Ou mesmo o Donald O'Connor cantando "Make'em laugh" ("Faça-os rir"). Ou então Gene e Donald juntos tirando sarro dos professores de fonética. Ou a deliciosa interpretação de Jean Hagen como loira burra. Os espectadores da época provavelmente pensavam que o maior espetáculo era a Cyd Charisse. Até hoje ela detém o título das mais belas pernas da história do cinema. Claro que, pros padrões atuais, ela e todas as outras mulheres de "Cantando" seriam consideradas obesas e mandadas imediatamente pra um spa.
Opa! Tem quem só se lembre do Gene Kelly dançando encantadoramente no meio da chuva, com um sorriso no rosto. Ô memória curta, hein? "Cantando" é também um dos grandes exemplos de metalinguagem. Ele narra uma história fascinante: a passagem do cinema mudo para o falado, em 1927. Se você quer saber o choque que isso causou em Hollywood e como essa simples invenção destruiu carreiras, veja "Cantando". Se você quer saber como nossos antepassados (os dinossauros) se vestiam na década de 20, "Cantando" é uma ótima pedida. Se você quer só se entreter e se sentir bem no final da sessão, idem. "Cantando" é o tipo de arte que faz a humanidade sair-se melhor na foto, se é que você me entende.





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