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COMO SE NÃO BASTASSE SER ASSALTADA
A G. me enviou essa questão, que eu respondo abaixo:
"Lola, eu gostaria de um comentário seu sob a ótica feminista da situação que aconteceu comigo. Faz 2 semanas que fui assaltada perto de casa (moro em Santo André, SP). Eu voltava pra casa a pé e fui abordada por dois rapazes em uma moto que se levantaram me cercando e pedindo minhas coisas. Por conta disso ando bastante desconfiada ao andar pela rua, principalmente em lugares ermos como o que moro. O que acontece é que depois desse episódio, quando alguém me aborda em uma rua deserta, principalmente se for homem e se for perto de casa, eu não paro. Até porque diversas vezes no mesmo caminho já levei inúmeras cantadas de homens a pé, de homens em carros, motos e caminhões, sem contar que teve uma época que eu sequer podia passar pela avenida pois certa vez uns entregadores do restaurante que fica no local começaram a me cantar e eu me defendi, e depois disso todas as vezes que eu passava por lá eles me xingavam dos mais diversos nomes.
Agora vamos ao que aconteceu hoje: eu ia a pé, sozinha, para a estação de trem próxima à minha casa. Estava usando fone de ouvido e não ouvi o rapaz chamar, mas percebi que ele me abordava. Não parei. Pois alguns metros depois o mesmo rapaz correu em minha direção, me agarrou forte pelo braço me chacoalhando, me xingou e disse que só queria me pedir uma informação, que eu era uma puta idiota. |
"Não sou puta por não responder" |
Lola, eu sou a pessoa mais gentil e educada que conheço, mas moro em um lugar tão hostil e machista que não me dou mais ao luxo de testar a sorte. Eu já fui assaltada três vezes na minha cidade, sendo duas próximas à minha casa (uma bem em frente), e quase todas as vezes por homens a pé. E outra: se fosse somente uma informação, por que correr atrás de mim para me agredir fisicamente e com palavras?
E eu tenho uma dúvida: em um caso desses eu devo ir à alguma delegacia fazer BO para pelo menos alertar que o local é passivo de abordagens violentas?
É difícil lidar com essas situações sociais em um país machista e em uma cidade perigosa como a minha. Me entristece pensar que por que sou solteira, ando sozinha e a pé (não gosto de carro), meu direito de ir e vir é tolhido. Já não basta toda a crítica social por conta dessa minha situação aos 30 anos, e agora tem mais essa? Estou bem chateada, Lola, bem chateada."
Meus comentários: G., minha solidariedade. Todo mundo que já foi assaltado sabe o trauma que é (eu fui assaltada três vezes, quando vivia em SP, até 1993. Faz tempo que não sou... ufa!). Acho que é importante sim fazer BO para que a polícia saiba (se é que já não sabe) que sua região é perigosa. Porém, a gente sabe que homem na rua tem medo de ser roubado, enquanto pras mulheres o medo está longe de ser apenas o de assalto. Seria um paraíso viver sem esses medos. E parece que muitos homens não têm a menor ideia de que corremos outros riscos. Às vezes eu fico passada com a falta de simancol de alguns caras que andam na rua. Tem uns que mudam de direção e passam a vir pra cima, talvez até sem se dar conta.
Provavelmente o babaca que te agrediu queria apenas uma informação. Mas você não é obrigada a atendê-lo. Se esse cara soubesse de quantas grosserias você tem que aguentar simplesmente por sair à rua, talvez ele entendesse que você tem boas razões para ignorar o que um estranho te diz. Mas não, ele se acha tão importante, tão merecedor da sua atenção, que, se você não responde, ele se vê no direito de correr atrás de você, te agarrar pelo braço e te chamar de "puta idiota".
Esses dias li O Quinze, clássico de Rachel de Queiroz, e o que mais me chamou a atenção, fora a descrição desoladora da seca e a narrativa sobre os campos de concentração (eu não sabia que o Ceará teve campos de concentração, também chamados de currais humanos, antes da Alemanha nazista! Nas grandes secas de 1915 e 1932, o governo cearense colocou em campos fechados os milhares de retirantes que chegavam a Fortaleza tentando fugir da miséria. Lá as pessoas morriam de fome e de doenças e eram enterradas em valas comuns), foi que alguns personagens reprovam que uma moça ande sozinha na rua. Para eles, uma mulher deveria sempre sair acompanhada por um homem.
O conceito por trás disso permanece, um século depois. Primeiro vem a noção de que espaços públicos são masculinos, e espaços domésticos, femininos. Portanto, uma mulher na rua estaria "invadindo" um espaço que não é o dela (é muito mais por causa dessa mentalidade que tantos homens "cantam" mulheres na rua. Eles não querem conquistar ninguém, e sim exercer poder, mostrar que aquele espaço é dele, que é ele quem manda, que ele tem tanta autoridade a ponto de julgar a aparência de uma completa estranha).
Segundo vem a ideia de que mulher sozinha está à disposição. Se ela não tem um "dono" (um namorado ou o marido, mas, numa sociedade patriarcal, pode também ser o pai ou o irmão), ela não é de ninguém, logo, é de todos, é de quem chegar primeiro.
E terceiro está a noção de que uma mulher precisa ser protegida (de outros homens) por um homem. Tem um monte de cara que adoraria voltar a esses "bons tempos" (que eles disfarçam chamando de "cavalheirismo") de mulher só poder sair acompanhada, de mulher precisar da proteção de um macho. Talvez por isso iniciativas louváveis como a Vamos Juntas? incomodem tanto. Elas questionam: se você, mulher, está numa situação de risco, por que não pedir ajuda à outra mulher?
Todos querem viver num país sem assaltos. Mas parece que nem todos querem viver num país sem assédio na rua. Para tantos homens, chamar uma mulher de "gostosa" na rua nem é um problema. Pelo contrário, é um grande elogio. Eu acho que essa mentalidade está mudando, que a gente está deixando bem claro que dispensamos grosserias. Mas ainda vai levar muito tempo para que esse comportamento seja de fato reprovado socialmente.
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