CRÍTICA: SEX AND THE CITY / Quem precisa de orgasmo quando se tem uma bolsa?
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CRÍTICA: SEX AND THE CITY / Quem precisa de orgasmo quando se tem uma bolsa?


Do que elas estão rindo?

Eu e o maridão fomos ver Sex and the City. Cinemas lotados, ingressos esgotados, e montes de mulheres nas filas (rendeu 55 milhões no fim de semana de estréia nos EUA, desde já a comédia romântica mais lucrativa da história). As moças na platéia (um amigo perguntou se o maridão era o único homem no cinema) gritaram quando a musiquinha da série começou a tocar, riram em vários momentos, uma ao lado não parava de dizer “Oh God! Oh God!”, tiveram orgasmos ao ver uma bolsa, e aplaudiram muito no final. Tenho a impressão que elas gostaram. Já eu achei o filme longo demais (duas horas e meia!), e lá pelo meio minha bunda já tava quadrada. Logicamente, gostar ou não do longa depende do envolvimento com a série. Pra mim, que não dou a mínima pra moda, que acho imoral um par de sapatos custar 500 dólares, e que não sou chegada a rituais em geral, realmente não tem graça. Mas suspeito que as moçoilas sejam bem parecidas com as de um debate que assisti. Aparência é fundamental, tradição é pra ser respeitada, e poucas coisas na vida são mais importantes que um anel de diamantes dado pelo futuro marido.

Ou seja, Sex não tem nada de feminista. Ao mesmo tempo, tem dois aspectos positivos: é legal ver mulheres com mais de 40 anos serem consideradas bonitas e poderem carregar um filme, o que é pouco comum em Hollywood; e promove a amizade feminina, numa cultura que dita que mulheres só podem ser rivais, e que só homens podem ser amigos de verdade. Alguns blogs masculinos e héteros, com a misoginia que lhes é peculiar, tentavam convencer os homens a ir ver o filme. Um dos argumentos: como as personagens são todas umas vadias, existe a chance de seios aparecerem. Incrível como, em pleno século 21, a promiscuidade continue sendo tolerada apenas pros homens. Mas as mulheres no filme não são nada promíscuas (e se fossem, e daí?). Todas são exclusivamente monogâmicas. Até a Samantha, que é provavelmente a personagem mais “gay disfarçada de mulher” que há. Eu não sabia que os criadores de Sex eram gays, que o filme seria considerado o maior evento gay do ano, e não entendia por que a série fazia sucesso entre gays, já que os personagens gays são totalmente coadjuvantes. Mas, lendo blogs gays, entendi: nossas heroínas seriam na realidade gays disfarçados de mulheres. A obsessão com roupas e sapatos, e inclusive o comportamento promíscuo das personagens, apelariam mais pros gays que pras mulheres em si. Porém, o público gay é pequeno, e se fosse só por ele Sex não seria o sucesso que é. As mulheres aderiram, e aí é o caso de perguntar quem veio primeiro, o ovo ou a galinha. Moças de classe média de todo o mundo já eram assim consumistas e alienadas antes da série, e por isso Sex cativou tanta gente, ou a série influenciou todo um comportamento?

Bom, só espero que mesmo as fãs mais deslumbradas sejam capazes de ver que o filme é ofensivo aos países subdesenvolvidos. Por exemplo, as moças vão pro México pra Carrie se curar da sua depressão e sair do seu “mexicoma”. Charlotte leva suas próprias refeições. As amigas dizem: “Você não vai comer a comida daqui? Estamos num hotel cinco estrelas”, e ela: “Sim, mas ainda é o México!”. Nos EUA, todo mundo na platéia se acabou de rir. Em seguida, Charlotte está tão feliz tomando uma ducha que abre a boca e engole talvez duas gotas da asquerosa água mexicana – e passa mal! Ianques: aguardem, tá? Seu dia vai chegar. Quando vocês quiserem atravessar a fronteira do México, tal qual em O Dia Depois de Amanhã, e nós cucarachas não deixarmos, vocês vão se arrepender. O filme também reflete bem a total segregação racial americana. A série sempre foi branca, tão branca quanto Friends. Desta vez incluíram a personagem da Jennifer Hudson (Oscar de coadjuvante por Dreamgirls), que está muito bonita e chega pra representar não apenas um, mas três grupos: além de ser a única pessoa negra com falas, ela tem menos de 30 anos e não é magra. Mas o principal é sua cor. Numa cena, ela volta pra sua cidade natal e se encontra com família e amigos, todos negros. Assim vai ficar difícil, Obama.

Quem se sai melhor é a Samantha. Gostei da piadinha com deck/dick (me avisem como foi traduzida no Brasil). Como a única risada no trailer é ela quem proporciona, bom que seja ela no filme também (pra ser justa, o filme é muito superior ao trailer - veja a cri-crítica ao trailer aqui). Samantha ganha uma jóia que custa 50 mil dólares (eu disse classe média antes?), e organiza um sushi erótico. Não sabe que no Brasil isso já passou até no Faustão (ok, foi um dos piores momentos da história da TV brasileira, mas enfim). Ela prefere Botox à casamento, mas Carrie tem outra opinião. Dá a impressão que casamento é essencial porque se pode desfilar um vestido de noiva. Pra uma mulherada que não repete sequer o pijama (ninguém usa a mesma roupa duas vezes; li que Carrie se troca oitenta vezes), qualquer oportunidade de exibir um figurino é lucro. E só eu que acho estranho usar salto alto e maquiagem até pra dormir e transar?

Lá pelas tantas, Samantha engorda. Eu não teria reparado se não tivessem feito um escândalo. Mas como que ela não havia notado os quilos a mais, perguntam pra ela. E ela responde que não se olhava no espelho. Hã? Existe alguma chance de uma mulher assim, que põe Botox a torto e a direito, obcecada pela aparência, deixar de se olhar no espelho por mais de cinco minutos? E as roupas? Alguém tão preocupada com roupa vai notar imediatamente se engordou cem gramas. Já Miranda tem a personagem mais insossa no filme. Fazem parecer que ela é responsável pelo marido tê-la traído. É uma lógica bem perversa: o marido trai, e a culpa é nossa? Li isso sobre a Hillary Clinton outro dia. Se ela soubesse fazer bom sexo oral no Bill, ele não teria precisado da estagiária, não haveria todo o escândalo político, Bush Jr. não teria sido eleito, e o aquecimento global não teria alcançado proporções tão alarmantes. Então você já sabe: se o planeta acabar, a culpa é da Hillary.

Sex inclui um monte de merchandising. Há duas montagens com roupas e uma cena completamente inútil do New York Fashion Week, que lembra personagem de novela da Globo indo a banco (tudo superficial, sem ligação com a história, só pra vender mais um produto). Uma outra cena que começa parecendo o maior merchandising acaba saindo pela culatra. Carrie assiste ao musical com a Judy Garland Agora Seremos Felizes (Meet me in St. Louis, 1944) e desliga o dvd no meio de um número. A platéia fez “Oh” ou “Ah”, não sei descrever, mas foi uma expressão de escárnio, do tipo “Musicais merecem ser desprezados”. O mesmo não se pode dizer do amor a Nova York que a série gera. Há turistas que vão pra lá só pra fazer um tour pelas locações de Sex.

Não quero me juntar ao coro de quem acha a Sarah Jessica Parker horrível, com cara de cavalo, essas coisas. Pela falta de profundidade do roteiro, que em vários momentos parece estar mais empenhado em desfilar modelitos que em desenvolver uma história, muita coisa soa como slide animado. Mais do que atuar, Sarah tem que posar. E nós, mulheres, acabamos analisando muito mais a aparência das atrizes que dos atores. Tirando um ou outro, os homens no filme são bastante feinhos, não? Mas, claro, ninguém vai a Sex pra ver homem. Nem sexo. Então é pra ver bolsa mesmo?





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