ESTOU FAZENDO A ESCOLHA CERTA?
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ESTOU FAZENDO A ESCOLHA CERTA?


A C. me enviou um email. Eu comento mais pro fim.

Acompanho seu blog há mais de uma ano. Ele foi importante para esclarecer muita coisa na minha cabeça, mudar muitos comportamentos no meu dia a dia, me tornar feminista, me cobrar menos, agir com mais liberdade. E por ser tão grata a você, hoje senti vontade de contar uma parte da minha história e dividir alguns questionamentos que estão rondando minha cabeça.
Tenho 23 anos, moro no RJ. Meus pais foram casados até os meus 14 anos, cresci com eles em clima de amorzinho, sempre se respeitando, concordando em tudo, nunca vi nenhuma briga. Achava que isso era algo normal em um casal, que esse "concordar em tudo" (tudo mesmo) era o sinal de relacionamento saudável, de amor perfeito. Lógico que não tinha essa clareza quando pequena, mas esse era o sentimento. Tem vários vídeos caseiros em que eu falo: "essa é a minha família feliz, a minha família perfeita". É interessante ver como isso era um orgulho pra mim, a ponto de eu repetir várias vezes.
Mas toda essa concordância extrema dos dois, e nenhuma discussão, culminou em uma separação: um belo dia meu pai disse que ia sair de casa porque não amava mais minha mãe, tendo duas semanas antes levado flores e um cartão dizendo que a amava mais que qualquer coisa. Percebe o choque? Não sei muito bem até hoje qual foi o problema deles, mas acredito que falta de diálogo, falta de conversar sobre o relacionamento, falta de falar sobre suas vontades... 
Minha mãe entrou em depressão e de certa forma eu passei a ser a adulta da casa. Depois descobrimos que meu pai tinha ido morar com a ex-vizinha, sendo o filho dela o meu melhor amigo. Não sei dizer por quem me senti mais traída, e nunca fui na casa do meu pai, sempre nos encontramos no shopping. Foram tempos ruins, mas depois tudo ficou mais calmo. Apesar da minha mãe sair da depressão, nunca mais ficou com ninguém. As marcas em mim foram profundas; a minha família, aquele meu orgulho maior, minha base, tinha sido destruída, tinha acabado. Sentia falta de uma família. 
Comecei a namorar com 14 anos. Nessa época, emendei 3 namoros longos, e no terceiro engravidei numa troca de anticoncepcional. Fiquei radiante quando descobri, apesar de ter apenas 19 anos e ter acabado de começar a cursar uma faculdade federal. O pai, também muito novo, ficou feliz, na época. Eu o achava super companheiro, mas hoje percebo que ele não era nada além de um menino. Continuei morando com minha mãe, a pedido dela, que achava que eu era nova demais pra assumir tanta responsabilidade. Foi um conselho inteligente, já que quando meu bebê tinha 4 meses, terminamos o namoro. Hoje percebo que toda essa minha felicidade por ter um bebê nada mais era do que a felicidade por ter uma família, aquela que me "tiraram" aos 14 anos.
O fim do namoro: quando meu bebê nasceu, eu tive uma fase em que me focava só nele, e não só pela necessidade dele, mas também porque fiquei tão apaixonada por aquele pequeno ser, tão encantada, que não queria tirar atenção dele pra nada, e o meu namorado, que também era um garoto, simplesmente não soube lidar com essa fase, sentiu-se rejeitado e começou a ficar com outra pessoa. Senti cada vez mais a distância que estava se criando entre nós, tentei recuperar, percebi que era tarde e terminei, ainda o amando muito. Duas semanas depois ele contou que estava apaixonado, "namorando" a chefe dele que já era casada e tinha dois filhos da idade dele.
Vida que segue, sofri, mas agora eu tinha meu bebê que precisava de mim, e tinha de ser feliz para que ele crescesse feliz também. O pai pagava pensão, mas aparecia pra vê-lo no máximo duas vezes por mês, se bem que chegou a ficar três meses sem vê-lo.
No mês em que meu filho completou um ano, conheci e logo comecei a namorar M., de 26 anos, estudante de mestrado. Ele me deu forças para voltar à faculdade, que eu tinha vergonha de ir pelos comentários dos colegas de turma da loucura que eu tinha feito, da irresponsabilidade, da "piranhice", e por aí vai. Seis meses depois voltei com a cabeça erguida, com minha mãe e meu namorado me apoiando muito. M. naturalmente foi fazendo o papel de pai do meu bebê, me ajudava quando ele ficava doente, trocava fralda, dava banho, passeava, vinha visitá-lo. Foi delicioso acompanhar a construção do relacionamento deles e ver que um adotou o outro. 
Começamos a juntar dinheiro para casar no início de 2013, redescobri minha paixão pelo Direito, passei a ser uma ótima aluna que, mesmo tendo que faltar de vez em quando, tira ótimas notas. Praticamente tive que começar a faculdade do zero e vejo hoje as pessoas que entraram comigo bem perto de se formar e eu ainda no início, mas não fico desanimada. Amo minha faculdade, amo estudar e estou muito feliz de ter essa oportunidade. Tudo indo bem...
Até que tomando um antibiótico para dor de ouvido dois meses atrás (que mexeu com a eficácia do anticoncepcional), engravidei. Minha primeira reação: vou tirar. Comecei uma busca desesperada por clínicas até encontrar uma. E quando encontrei uma, conversando com o M., descobrimos que não teríamos coragem, que lá no fundo não era isso que queríamos fazer.
Resolvemos que íamos ter. Apesar de ter sido uma decisão minha, as duas semanas posteriores foram extremamente ruins, eu não conseguia aceitar o que tinha acontecido, eu não conseguia sentir nada pelo que estava dentro de mim. Foi horrível porque eu não queria tirar, mas também não queria outro bebê, não tinha sido planejado, eu tinha levado tanto susto, não queria parar minha faculdade, não queria ouvir milhares de críticas, não queria olhares tortos... e foi pensando que descobri que eu não queria esse bebê não era por ele, era pelos outros. Eu não queria ser julgada e criticada pelas minhas decisões porque eu e só eu seria responsável por elas e sofreria as consequências. E quando percebi isso, que o problema eram os outros, passei a querer muito esse bebê.
Eu e M. estávamos transbordando de felicidade. Fizemos milhares de contas e adiantamos o casamento para este ano. Vimos que eu teria de parar de trabalhar para ficar com o bebê, mas está previsto para dezembro, então em março já dá pra voltar a frequentar as aulas da noite, enquanto o M. fica com as crianças.
Então os questionamentos que falei no início do email são: até que ponto podemos ser influenciados pelas opiniões dos outros? Até que ponto podemos tomar decisões que mudarão o curso de nossas vidas por medo do que os outros vão pensar? Se eu tivesse tirado, no momento que percebesse que fiz isso simplesmente por medo de encarar as críticas, como eu teria ficado? Não faço ideia, mas acho que nunca mais seria a mesma.
Não acho que vai ser fácil encarar a faculdade grávida, e não pela gravidez, mas pelas pessoas... Tenho arrepios de pensar nas pessoas me apontando, me questionando, porque elas fizeram isso da última vez, e certamente farão agora. Sofro de pensar nisso, confesso. Se pudesse fugia por um semestre e só aparecia depois de parir, mas não posso colocar de lado algo que amo tanto como meus estudos pelo que os outros vão pensar. Não sei como vai ser, não faço idéia de como será difícil, de quanto sofrerei com isso.
Mas tenho a sensação de que estou fazendo a coisa certa... e o que é a coisa certa? Aquela que vai me fazer feliz! Eu tenho o direito de buscar a minha felicidade, do meu jeito. O meu caminho é diferente, não é o tradicional (namora, se forma, casa, tem filhos), mas é o que eu escolhi e o que acho melhor pra mim. Não acho que serei uma morta de fome pro resto da vida, não acho que meus filhos serão crianças sem uma boa educação. Aliás, pelo contrário: meu filho de 2 anos é educadíssimo, respeita as pessoas, está aprendendo a dividir, é amado e respeitado. Meu próximo filho será também. 
Sou uma ótima aluna, dentro de 3 ou 4 anos me formo e correrei atrás do meu sonho, que é o Ministério Público. Então por que, se estou feliz, se estou fazendo minhas escolhas com responsabilidade, sou errada? Quem disse que o padrão da sociedade é melhor pra mim? Como é que as pessoas se sentem no direito de criticar? Quem deu o direito a elas de dizer o que é melhor pra mim? Por que o meu caminho tem que ser igual ao da maioria?

Minha resposta: Acho que vc não deve se preocupar com o que as pessoas falam. Falam mal de todo mundo por mil e um motivos. Aliás, nem precisam de motivos. E não existe uma fórmula na vida nem uma ordem correta de fazer as coisas. Existem apenas caminhos que parecem mais fáceis (como ter filhos só depois de formada, e talvez já com um casamento mais consolidado). Portanto, não se sinta mal por estar invertendo a ordem "natural" das coisas. Só realmente vá em frente, continue a faculdade, independente dos comentários maldosos, termine, tente o Ministério Público, tudo a seu tempo. Vc é muito jovem e tem um tempão pela frente pra fazer tudo que quiser.
O que me preocupa apenas é que vc fala de escolhas, e não sei até que ponto engravidar duas vezes sem planejar é uma escolha. Não sei nada sobre isso, mas conversei com uma psicóloga uma vez sobre uma amiga que, assim como vc, também engravidou muito nova, teve o filho, separou-se do marido, e depois, no meio de um segundo casamento que não estava dando certo, engravidou acidentalmente de novo, teve o filho, separou-se. Se serve de consolo, ela está terminando o doutorado, passou num concurso, e está pra se mudar de cidade com os dois filhos, que ela ama muito. Portanto, está tudo bem. Mesmo que nada disso tenha sido planejado. 
Mas quando conversei com essa psicóloga sobre a segunda gravidez acidental da minha amiga, ela disse que quase sempre os "acidentes" são, no íntimo, desejados. Não sei se concordo. Só tome cuidado para não estar repetindo um padrão. Acho ótimo que vc compreenda que muito do seu comportamento se deve a esse desejo de ter uma família, desejo que vem desse evento traumático que vc viveu na adolescência. Mas recomendo que vc realmente se cuide pra não engravidar de novo sem planejar. Isso quer dizer usar camisinha se for mudar de pílula ou se estiver tomando algum remédio que possa interferir com a pílula (e sei que pode acontecer, pois aconteceu com uma outra amiga minha e é bem comum).
Acho que, apesar de todas as dificuldades, vc está no caminho certo, porque sabe o que quer. Então se concentre em alcançar esses objetivos e combata tudo que possa te desviar deles (por exemplo, largar a faculdade pra não ter que ouvir maldades dos colegas). Boa sorte, querida!




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