GUEST POST: COMO NÃO AGIR COM UMA MENINA QUE SE DESCOBRE LÉSBICA AOS 13
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GUEST POST: COMO NÃO AGIR COM UMA MENINA QUE SE DESCOBRE LÉSBICA AOS 13


Mais do que excelente, este relato da B. é didático. Parece um manual de tudo que pode ser feito de errado com uma menina de 13 anos:

Nunca falei a sério disso com ninguém, nem com as várias psicólogas com quem já passei. Também não sei o que me motivou a te escrever... Acho que chega uma hora em que a gente está no limite e, bom, é mais fácil falar as coisas pra quem a gente não conhece.
Sou lésbica. E a descoberta disso foi a coisa mais dolorosa que já me aconteceu. Não pela descoberta em si, mas por tudo o que aconteceu depois. Marcou mais que qualquer outra situação pela qual eu já passei.
Aos 13 anos, todas as minhas colegas já tinham algum namoradinho ou estavam gostando de algum menino da escola. Menos eu -- eu gostava de uma amiga. Eu não sabia que estava apaixonada (eu tinha só 13 anos, ainda brincava de boneca!), mas sabia que gostava de estar com ela. 
Levei uns meses pra realmente sacar o que estava acontecendo e, pode até parecer incrível, levei numa boa. Em casa, sempre ouvia discursos sobre igualdade, repúdio ao preconceito etc.
Mesmo assim, achei bom desabafar com alguém. Afinal, não é todo dia que a gente se descobre lésbica! Uma professora minha, como se percebesse o que estava acontecendo, um dia perguntou se eu queria conversar. Não menti: eu queria.
E contei tudo, contei o que estava sentindo e como lidava. Ela foi um grande apoio pra mim. Nunca pude agradecer por ela ter deixado de aproveitar os intervalos pra ficar sentada nas escadas conversando comigo.
O ano acabou e nas férias meus pais convidaram duas amigas minhas pra viajar com a gente, entre elas, a L. Não me lembro muito bem de como aconteceu, mas, no fim, ela disse que também gostava de mim. É claro que não ficamos, só viríamos a nos beijar muito tempo depois, mas eu estava muito feliz só por saber que ela gostava de mim como eu gostava dela.
Então as aulas começaram e os problemas também. A mãe dela descobriu. Veio falar comigo, eu neguei tudo. E fiquei morrendo de medo dos meus pais descobrirem, porque, apesar de todos os discursos deles contra o preconceito, eu sempre soube que quando a coisa fosse com eles, o buraco seria mais embaixo.
Eu não dormia direito, não comia direito, me irritava fácil. Mas segui a minha vida, fingindo que nada acontecia.
Um dia, meu pai foi me buscar no colégio e estava diferente. Não falava quase nada, não perguntou como tinha sido o meu dia, não cumprimentou os colegas. Depois falei com a L. por telefone. Chorando, ela disse que a mãe dela tinha ligado pro meu pai e contado tudo. Eu desliguei e continuei na minha. À noite, meu pai saiu com a minha mãe e quando eles voltaram, ela estava chorando. Soube depois que a mãe de L. ligou muitas vezes mais pra minha casa e para os celulares dos meus pais.
No dia seguinte, a diretora do colégio nos chamou na sala dela junto com uma professora e a coordenadora. Fecharam a porta pra ninguém ouvir. A diretora começou falando que ia nos alocar em classes diferentes devido a mau comportamento. L. não aceitou essa desculpa e respondeu que sabia que a mãe dela tinha pedido que impedissem a nossa amizade porque eu era má influência. Elas começaram uma discussão pesada.
A diretora e a professora jogando na nossa cara que eu era anormal e que a mãe dela estava fazendo aquilo por amor a ela. Eu não era forte, eu ainda não sou. Não respondi, só chorei.
Fiquei naquela sala durante uma hora ouvindo coisas absurdas, e chorei durante cada um daqueles minutos. Eu não entendia porque estavam fazendo aquilo. Eu só tinha 13 anos, estava perdida e assustada.
A diretora e a professora terminaram dizendo que, dos dez professores da turma, oito votaram pela nossa separação e não haveria negociação. A coordenadora ficou quieta o tempo todo.
Chorei o resto da manhã. Na saída, encontrei meu pai e contei que tinham me acusado de mau comportamento e me tirado da sala. Não precisei contar o motivo real, ele já sabia. Ele conversou por mais uma hora com a diretora e acabou concordando que aquela separação era a melhor solução.
Em casa, meus pais conversaram comigo. "Decidimos" que eu iria mudar de colégio. Entre aspas, porque eu não decidi nada. No dia seguinte, não fui à aula. 
Na mesma semana fui com meu pai assinar o termo de desistência e me despedir dos meus amigos. Quem trouxe o documento foi a coordenadora, que olhou pra mim e disse: "Sinto muito, eu tentei... Segurei as ligações anteriores, mas ontem eu não estava na sala quando ela ligou." Foi cúmplice, talvez por medo de perder o emprego.
Me despedi da professora que tinha me ouvido e menti pra ela quando ela perguntou se era aquilo que eu queria. É claro que não era... Eu estava destruída, mas e aí? Não tinha ninguém por mim naquela hora.
A professora que havia gritado comigo dois dias antes veio me abraçar e pediu: "Me representa bem na outra escola, viu, não deixa as notas caírem!" A diretora me abraçou e disse que eu era uma ótima menina.
Minha mãe disse pra eu nunca contar pra ninguém o que tinha acontecido, senão aconteceria de novo.
Acho que tudo o que aconteceu depois, toda a minha vida, foi uma consequência disso. Todas as brigas com a minha mãe, as surras que eu levei, o medo que eu sinto quando alguém se altera e começa a gritar comigo. Eu congelo, choro, me sinto de novo com 13 anos, fechada naquela sala com aquelas pessoas.
Hoje eu tenho 20 anos, namoro sério com uma mulher e moro sozinha. Minha relação com meus pais é boa, porque é distante. Eles fingem que não sabem e eu finjo que sou outra pessoa.
Hoje eu sei que o que todos eles fizeram comigo foi errado, foi abusivo, foi cruel. Hoje eu sei que podia ter procurado ajuda de verdade, não aquela psicóloga que meus pais pagaram pra me fazer "voltar a ser hétero". Na época, eu não sabia.
E até hoje me dói. Cada vez que eu lembro, dói e eu choro. Cada final de semana que eu volto para a casa dos meus pais é pior que o anterior, porque me faz lembrar que o que eu sou não basta para eles, porque a sociedade me vê como suja, como doente, e que a opinião da sociedade é mais importante para eles que a minha felicidade.
Todos os dias, quando consigo uma pausa na correria da vida, penso que devia ter processado aquelas pessoas assim que tomei consciência de que podia fazer isso. Não ia mudar nada, as marcas continuam em mim e nada que eu fizesse poderia causar neles o que eles causaram em mim. As sequelas que ficaram são pra sempre. 
Mas, se eu tivesse feito isso, talvez eles pensassem duas vezes antes de repetir o procedimento com outra pessoa. Isso também é torturante, imaginar que eu podia ter impedido tanto sofrimento em tanta gente.
Mas a vida segue... Acho que quem diz que o passado ficou atrás se ilude. O passado, pelo menos o meu, segue bem do meu lado.




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