GUEST POST: A MÃO NA BARRIGA E A SOLIDÃO DE NÃO PODER ESTAR GRÁVIDA DO JEITO QUE EU QUISER
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GUEST POST: A MÃO NA BARRIGA E A SOLIDÃO DE NÃO PODER ESTAR GRÁVIDA DO JEITO QUE EU QUISER


Se o corpo da mulher já é considerado propriedade pública normalmente, parece que quando a mulher está grávida, todo mundo quer por a mão (ou dar palpites).
Maira Pinheiro, militante feminista, estudante de direito, militante do PT, e grávida de seis meses, tem algumas coisas a dizer sobre isso.

A gravidez tem muitos momentos de intensa solidão.
No começo, essa sensação de solidão vinha da desproporcionalidade entre o que eu sentia com relação à gravidez e a reação das pessoas ao saber da notícia. Eu ainda estava me acostumando com toda essa situação, e as pessoas vinham me dar parabéns efusivamente e, pra ser sincera, eu não sentia essa alegria toda. Estava desempregada, ainda não tinha me formado e estava aprendendo a lidar com a ansiedade e o medo que vêm com uma gravidez não planejada. 
As pessoas vinham com essa enxurrada de alegria e felicidade pra cima de mim e eu não tinha muito espaço pra expressar o que eu estava de fato sentindo. Tinha medo e vergonha das pessoas me acharem uma "má mãe" por não estar explodindo de alegria. Não me sentia confortável pra conversar sobre o que eu realmente sentia com quase ninguém. Com as amigas e amigos mais compreensivos consegui conversar sobre a história de pegar leve no "parabéns", pelo menos nesse início. Alguns poucos entenderam.
No começo, por muitos momentos me culpei por sentir uma profunda inadequação entre como eu me sentia e o que as pessoas "esperam de uma grávida". Chegavam cheias de opinião pra dar, ou com uns papos "virgem maria" sobre como gravidez é linda e mágica, ou sobre como elas admiravam minha coragem porque gravidez é assustador e elas não queriam engravidar de jeito nenhum. E aí eu me sentia mal ou por não estar pulando de felicidade, ou por me sentir um ET. Por causa disso, era sempre difícil ficar confortável pra conversar com as pessoas sobre o que a gravidez estava sendo pra mim.
Eu até imaginava que as elas iam sair pondo a mão na minha barriga sem pedir e isso me deixava particularmente insegura, mas não tinha noção nos primeiros meses que ia ser muito pior do que eu imaginava.
Eu ainda estava me acostumando a colocar minha própria mão na barriga e a pensar que tinha um feto lá dentro, estava ainda desenvolvendo a minha relação com a gravidez e sentia que quando as pessoas botavam a mão em mim, elas estavam invadindo meu espaço e atropelando o meu processo de me acostumar com tudo o que estava acontecendo.
Mesmo assim eu não estava preparada pra como isso ia ser assim que eu contasse pra todo mundo. Pouco depois que postei no Facebook, começaram as aulas. E começou o festival de mãos, várias vezes ao dia, exatamente do jeito que eu temia que fosse acontecer. Homens, mulheres, pessoas próximas e outras nem tanto, todo mundo tocando meu corpo sem me pedir e sem saber (e sem se importar) se eu estava gostando ou não. Algumas, depois de colocar a mão, olhavam pra minha cara e percebiam que eu não estava gostando, e pediam desculpas. Eu dizia que tudo bem e tentava explicar pros poucos com paciência pra me ouvir porque aquilo me incomodava. E não tive as melhores reações diante da minha explicação. Vou reproduzi-la aqui pra ver se isso diminui um pouco.
É o seguinte: eu entendo que vocês tenham curiosidade em por a mão na barriga da grávida, de verdade, e não acho que as pessoas tenham que ser proibidas de fazer isso nem nada. MAS CUSTA PEDIR ANTES?! Entre o feto e o mundo há o MEU CORPO. Sim, meu. Só meu. Então, quando vocês colocam a mão em mim achando que estão tocando no feto de alguma forma, vocês estão equivocados. Vocês estão tocando no meu corpo sem permissão e sem saber se eu vou gostar, e isso é invasivo e desconcertante. 
Superado esse ponto, passemos ao próximo: quando a minha filha nascer e entre o corpo dela e a mão de vocês não houver mais o meu corpo, se vocês insistirem nessa sanha de sair pondo a mão, vocês ainda estarão tocando o corpo de outra pessoa sem a permissão dela, e isso vai continuar sendo problemático. 
Eu não quero que minha filha aprenda, desde recém nascida, que as pessoas tocam nela sem ela querer, que o corpo dela não é dela de fato, e que dele podem dispor pessoas maiores que ela, independente da vontade dela. 
Por isso, enquanto ela não puder manifestar de forma clara a própria vontade, quem responderá por ela sou eu, e eu estou bastante disposta a comprar essa briga desde o começo e a não deixar que fiquem tocando nela sem pedir pra mim. Não vai ter essa história de ficar forçando ela a dar "beijo na tia" ou "beijo no tio". Além disso, não se mete a mãozona suja em recém nascido, por isso quem quiser tocar na Betânia vai ter que, além de pedir pra mim, passar álcool em gel na mão.
Só pra não acharem que eu sou uma grossa insensível nem virem desqualificar minha fala em razão dos "hormônios de grávida", que diga-se de passagem não me impedem de pensar claramente nem de responder por meus próprios atos, quero deixar claro que eu sei que a maioria das pessoas que põe a mão em mim o faz com a melhor das intenções e, muitas vezes, com carinho. Em outras, é só uma vontade unilateral de satisfazer a própria curiosidade, sem nenhuma preocupação com os meus sentimentos. 
Mas aos bem intencionados, eu pergunto: em algum momento vocês pararam pra pensar sobre o que eu acho disso? Em algum momento vocês refletiram sobre como eu me sinto sendo tocada contra minha vontade várias vezes ao dia todos os dias, todas as vezes que me aventuro num espaço público "apesar de estar grávida"? Se não, passem a fazê-lo.
Essa tem sido uma das faces da solidão de estar grávida. Porque quando eu reclamo das pessoas me tocarem sem eu querer e minha crítica é recebida com resistência, eu me sinto muito só. Afinal de contas, eu deveria poder reclamar de tocarem o meu corpo e ponto final, só que já ouvi algumas vezes, ao tentar explicar pras pessoas o meu desconforto, que eu deveria ter mais "compaixão com o senso comum". Não, não vou ter. Resolvi que meu papel neste momento é politizar minha gravidez e tentar desconstruir todas essas noções machistas pré-concebidas que as pessoas tem sobre os corpos grávidos.
Por fim, queria colocar que não tenho muito interesse em saber o que as pessoas que discordam de mim pensam sobre este assunto. Porque não tem o menor cabimento virem aqui me dizer como eu tenho que me sentir e o que eu tenho que achar sobre tocarem em mim sem eu querer. O corpo é meu, simplesmente aceitem isso.




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