GUEST POST: CULPA POR ESTAR GRÁVIDA E A MELHOR CHEFE DO MUNDO
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GUEST POST: CULPA POR ESTAR GRÁVIDA E A MELHOR CHEFE DO MUNDO


Natália é historiadora, vive na Bélgica há quatro anos, e contribuiu com um ótimo guest post em janeiro. Agora, ela escreveu pra contar as novidades:

Não poderia ter me identificado mais com o post de primeiro de abril. Nesses últimos dias tenho me confrontado bastante com os reflexos da cultura machista nas nossas vidas. Eu, feminista assumida, muito mais afetada do que imaginava. Foi assim:
No início deste mês comecei num emprego novo. Foi uma proposta irrecusável, salário bom, horários ótimos, empresa do lado de casa, vaga muito interessante, trabalhar de novo com educação e organização de treinamento, mesmo que não na minha área, vários desafios, aceitei de braços abertos. Já na primeira semana de trabalho, atraso na menstruação. Nem me importei, isso já havia me acontecido centenas de vezes.
Meu marido e eu temos um relacionamento de quase seis anos, há quatro moramos juntos. Nas nossas conversas ele sempre dizia: "Eu adoraria ter filhos, me faria uma pessoa ainda mais feliz. Somos parceiros nessa, mas é seu corpo, a decisão é sua". E assim foi. 
Depois do nosso casamento, em setembro do ano passado, decidi parar com a pílula. Seis meses tentando e nada. Meu ciclo sempre foi irregular e eu já havia internalizado que tinha algum problema para engravidar (eu, claro, quem mais?). Resumindo: acabamos nos empolgando com a possibilidade de emprego novo e obviamente, a primeira decisão foi voltar a nos prevenir. O sonho do bebê seria adiado em pelo menos mais um ano.
Mas daí, nada da menstruação chegar. Esperei uma semana e nada, não estava sentindo enjoo, só um sono do outro mundo. No final de uma semana de atraso, decidi fazer o teste de gravidez, aliás dois. Um não acusou nada, o outro deu duas listrinhas bem clarinhas, já era gravidez, mas na minha cabeça, não era. Não podia ser, como é que eu ia contar pra minha chefe que tenho três semanas de trabalho e já estou grávida? 
Meu marido insistia que foi o jeito que as coisas aconteceram e pronto, mas e a culpa? Culpa por não ter me cuidado (ah não peraí, eu e meu marido queríamos engravidar), culpa por ter começado a trabalhar já grávida (sim, a culpa era minha: esconder uma gravidez que eu nem sabia que existia), e tantas outras coisas me fizeram ignorar todos os sintomas e negar.
No dia primeiro marcamos um horário no ginecologista; meu marido fez questão de ir. Chegando lá, bingo: grávida de seis semanas. Fizemos ultrassom e já deu até para ver o coraçãozinho dele batendo na tela, Lola, que coisa mais linda, um bebezinho do tamanho de um grão de arroz e já tem um coração... Muitas emoções, muito choro, muita informação para assimilar de uma vez só. Meu marido é belga e nos moramos nos arredores de Bruxelas, minha família toda no Brasil, bate aquele frio na barriga, sabe? E saímos do hospital com a confirmação e eu com o nó na garganta -- como é que ia contar para a minha chefe?
Ela é uma mulher de muita fibra, sul-africana, também mora longe da família desde muito. Apesar de ser a encarnação do termo business woman, também é mãe. Saí do hospital e já fui logo falar com ela. Desde que começamos a trabalhar juntas o acordo sempre for ser o mais honesta e aberta possível uma com a outra; estava ali para cumprir minha parte no trato. Fui direta e disse logo a que vinha. Disse que tinha descoberto que estava grávida e que sentia muito por não saber antes para informar a empresa que estavam contratando uma mulher grávida. 
Foi ela quem me deu a sacudida que eu precisava pra entender que aquele meu comportamento era simplesmente inaceitável. Disse com toda calma do mundo que quando se contrata uma mulher todos devem saber que a maternidade poderá fazer parte da vida dela e que ela não se importava se isso aconteceria na minha terceira semana de trabalho ou depois de cinco anos na empresa. 
Reforçou que ela teria me escolhido de qualquer forma porque ela gosta de mim e acredita no meu potencial, que ainda temos tempo pela frente para deixar tudo nos eixos para o meu período de ausência. Ela, minha chefe de três semanas, me lembrou que a partir de agora a prioridade é o bebê, que empregos existem milhões, mas meu bebê é único e que eu não tinha que me desculpar por absolutamente nada com ninguém, que preciso estar contente e orgulhosa se esse era nosso desejo. 
Também disse que ela é mãe e está muito feliz por passar por esse momento comigo, que ela sabe o que é, que deseja que eu me cuide, me dedique ao trabalho mas saiba meus limites, que ela cometeu erros que não gostaria de me ver cometendo porque também demorou a entender as prioridades da vida. Lógico que nessa hora eu já estava morta de chorar, nos abraçamos, ela disse que eu podia contar com ela e que era pra parar imediatamente de me culpar pela gravidez. 
Acho que só quando ela verbalizou isso eu reparei que era exatamente o que eu estava fazendo, desde a primeira suspeita.
Foi um alívio enorme falar com ela, a reação não poderia ter sido melhor em nenhum sentido. De lá já passei no setor de RH para dar a notícia e todos também me apoiaram bastante. 
Hoje no almoço a notícia já tinha se espalhado, recebi os parabéns cheia de felicidade, mas confesso que ainda tenho que me policiar para não ficar me justificando para as pessoas. Tenho certeza que meu marido não se justificou para o chefe nem para os colegas, pelo contrario, até celebração com champanhe já ganhou (minha celebração foi com água, dessa não posso me livrar).
E é isso, tentamos contar para uns poucos amigos, tarefa difícil no primeiro de abril, todo mundo achou que era brincadeira! De resto, estamos nos acostumando com a ideia de ter um bebezinho em casa já para o natal. 
Maternidade já tem muitas barreiras para serem transpostas, não preciso dessa barreira extra da culpa, culpa por uma gravidez que não veio na hora planejada mas foi muito desejada e fruto do amor de duas pessoas que, a partir de agora, dividirão responsabilidades e deveres, não pode haver culpa nisso. 
Quanto ao trabalho, ainda é uma das minhas prioridades, mas não a principal. Tenho a sorte de morar num país com pessoas um pouco menos machistas e trabalhar com uma equipe que é o arco-iris de fofura. Daqui pra frente, só amor e pensamento positivo, que esse mundo seja um lugar melhor para que, quando chegar a hora, esse bebezinhx possa fazer suas escolhas com tranquilidade e felicidade, independente de quais sejam.




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