GUEST POST: MEU PAI, MEU MONSTRO
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GUEST POST: MEU PAI, MEU MONSTRO


A M. me mandou a sua história, que é a história de muitas crianças que sofrem violência dos pais. Sou totalmente contra palmadinhas "pedagógicas" ou "educativas", chamem como quiser. 
Pessoas que estudam comportamento infantil sabem muito bem que educar com violência só gera mais violência. E que educar pela via do medo é o pior caminho. Mas, se dar palmadinhas inofensivas é uma forma tão maravilhosa de se educar uma criança, por que deixar que apenas os pais tenham esse privilégio? Vamos deixar @ professor@ na escola bater nos alunos também! Pô, vamos liberar para que estranh@s na rua deem tapinhas nas crianças! Afinal, faz bem, é assim que se ensina, né? Ah, mas não pode ser um tapa forte, só um tapinha, e dado com amor! Sei. 
Já tratei deste assunto diversas vezes no blog, e praticamente todos os pais e mães que comentaram foram unânimes em dizer que, nas vezes em que bateram nos filhos, foi por descontrole. Descontrole, pra mim, parece ser o oposto de amor e educação. A maioria das pessoas que deixaram comentários em posts passados da violência que sofreram alegam que isso prejudicou muito o relacionamento com os pais. Então, por que insistimos numa prática covarde? Bater em criança também é violência doméstica. E tod@s nós podemos denunciar.
Muita gente sabia da violência que M. e as outras mulheres da sua família sofriam. E ninguém fez nada.


Demorou muito tempo para eu ter coragem de compartilhar a minha história. Sou uma moça de classe média, sempre estudei em colégio particular, faço uma boa faculdade hoje. Sou filha de pais com ensino superior mas nem por isso escapei de um drama que atinge milhares de mulheres no mundo, não importando a condição social: a violência doméstica.
Quando eu era pequena apanhava do meu pai pelas simples travessuras de uma criança, tanto eu como a minha irmã sete anos mais velha. Minha mãe também apanhava nas discussões com meu pai, e ela culpava o temperamento explosivo dele, mas de certo modo era conivente com esse comportamento agressivo. Ela usava desta arma para exigir obediência da gente. 
Muitos assumem que é normal uma criança apanhar quando pequena para assim ser melhor educada. Dizem que eles mesmos apanharam quando pequenos e hoje são pessoas normais. Mas as pessoas deveriam tentar ver com olhos de criança. É terrível para uma criança ver o seu pai, uma figura que era pra te proteger, bater em você, na sua irmã e na sua mãe, e, em meio a sua revolta, ver que os outros acham tudo normal. 
Eu nunca consegui compreender o porquê de suportar esta situação, e desde criança tramava sair de casa e viver a minha vida longe daquela violência. Os anos se passaram, eu e minha irmã deixamos de ser crianças, mas nem por isso as agressões pararam. Certa vez eu tinha uns 13 anos e tomei uma surra homérica, daquelas que você tem que inventar desculpas na escola depois pra explicar os roxos. O motivo só fui saber depois da surra: "Você andou entrando em sala de bate papo no computador". Quando eu disse que não entrei, ele respondeu: "Ah, então desculpa, isso vale para você não entrar". No fim descobri que tinha sido um amigo dos meus pais que tinha usado o computador e entrado na página. 
Com o passar dos anos me tornei uma jovem estudiosa obcecada em tirar notas altas com o medo de uma nota baixa desencadear mais uma surra (meu pai era muito exigente na educação; lembro de ter apanhado certa vez por ter dificuldades em matemática). Mas também me isolava do convívio social desde nova, tinha problemas em interagir socialmente, e ser uma nerd não ajudou minha vida social. Eu sofria bullying e muitas vezes recorri à violência para me defender na escola. Eu era uma aluna de excelentes notas, mas sem amigos e com problemas de conduta. 
Aos 17 anos consegui a minha deixa para sair de casa: passei numa universidade em outra cidade e fui morar fora. Minha irmã, porém, continuou em casa e aos 25 anos, já formada, recebia toda a violência do meu pai. Ela apanhava por ter ido a um bar em dia de semana, ou por esquecer de trancar a porta de casa. A situação foi extrema, até que um dia ela fugiu de casa. Não levou nada além da roupa do corpo. Ela se libertou da violência e fez o que nenhuma de nós tivemos coragem de fazer: denunciou meu pai na Delegacia da Mulher. 
Minha mãe, por incrível que pareça, ficou do lado dele, pois a ação dele na mente dela estava correta. Ainda tive que ouvir que era um absurdo a denúncia porque agora todo mundo estava sabendo. O que minha mae tanto queria proteger era a imagem de família normal, mas nunca foi possível preservar esta imagem: os vizinhos ouviam os gritos enquanto apanhávamos, e as pessoas mais próximas viam os roxos e as marcas. Dessas pessoas não escondíamos a verdade; todas sabiam, só nada faziam.
Para evitar um escândalo, minha mãe obrigou minha irmã a retirar a denúncia. Não sei se foi a denúncia em si ou o fato de minha irmã sair de casa, só sei que após esta data meu pai parou de bater em mim ou na minha mãe. Diz ele que aprendeu a se controlar, mas pra mim aprendeu tarde demais. Não consigo confiar nele como pai e temo que em algum momento ele ainda vai voltar a explodir e descontar em mim novamente.
Estou contando esta história pois sei que existem muitas outras pessoas como eu e minha irmã que sofrem caladas a violência de um pai e ficam de mãos atadas, com medo de lutar contra isso. Os traumas causados pela violência são muito maiores que as marcas roxas no corpo. Eu sei pois hoje faço tratamento psiquiátrico e psicológico e ainda não consigo perdoar meu pai pelo que fez. Ainda assim, mesmo sabendo que não tenho culpa, tenho vergonha de assumir que sofri violência. Tenho medo dos olhares e das conversas, como se a sociedade me culpasse por ter apanhado. Quantas que já sofreram algum tipo de violência não sofrem o mesmo julgamento?




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