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GUEST POST: AS MUITAS HISTÓRIAS DE HORROR DE UMA SÓ LEITORA
T. tem várias histórias de horror pra contar. As reações quando ela tentou contar alguma dessas histórias mostram como a cultura de estupro é mesmo uma realidade.
É um prazer imenso poder falar com você. Eu tenho 21 anos e, desde que conheci seu blog, minha vida melhorou. Hoje eu levanto a bandeira do feminismo, já que ele tirou um peso gigantesco das minhas costas. Hoje eu me sinto um pouco mais livre ou, pelo menos, mais ciente das amarras que me prendem. Eu cresci em uma família que, apesar de não ser muito religiosa, é bem machista. Tenho um tio homossexual que sofreu bastante até "ser aceito" pelos meus avós. Minha mãe sempre me ensinou que é normal "sofrer" para ficar bonita. Minha avó acredita que as mulheres devem cuidar do marido e dos filhos. Além disso, ela é totalmente contra a liberdade sexual feminina. Nada de masturbação! Nada de transar com o namorado! Nada de pílula do dia seguinte, nada de aborto! Isso é coisa de vagabunda. Mulher tem que se dar ao respeito! Nunca tive uma relação muito próxima com o meu pai (não nos falamos desde os meus 17 anos), mas eu sei que ele também tem esse tipo de pensamento. O meu tio, o mesmo que já citei antes, certa vez me disse que eu seria mais bem sucedida se gastasse meu tempo malhando a bunda, em vez de ficar estudando. Segundo ele, o importante era eu ser gostosa e arrumar um marido rico. O mais chocante é que eu era só uma criança quando ele me disse isso. Além dessas coisas que sempre me reprimiram, eu também sofri muito com a tal ditadura da beleza. Eu me lembro das tentativas em vão de emagrecer, das dietas malucas desde a infância. E nunca foi por uma questão de saúde. Isso destruiu a minha autoestima irreversivelmente. Até hoje não consigo me achar bonita. Também já sofri muitos abusos, como a maioria das mulheres. Desde a pré-adolescência, já ouvi muitas cantadas pornográficas na rua. Quando eu tinha 13 anos, um cara bem mais velho (um idoso, na verdade) disse que se um dia eu posasse nua na Playboy, ele compraria, e depois tentou me levar à força para a casa dele. Na sétima série, um garoto da minha turma (o mesmo que me chamava de gorda e dizia que nenhum homem nunca iria se interessar por mim) passou a mão nos meus seios por cima da camiseta, dentro da sala de aula, enquanto dizia coisas obscenas que gostaria de fazer comigo. Ano retrasado, na Virada Cultural de São Paulo, um desconhecido me apalpou entre as pernas, enquanto me olhava sorrindo. Eu tive vontade de gritar, de correr, de morrer, mas apenas engoli o choro e fingi que nada estava acontecendo, para a minha mãe não perceber. Mais tarde, no mesmo dia, um homem que parecia estar drogado me segurou pelo pulso com muita força. Eu pedi para ele me soltar. Ele disse que queria só conversar comigo. Começou a torcer meu pulso e ameaçou matar minha mãe. Ele tentava me levar pra um beco escuro, enquanto me chamava de loirinha vadia. Ele iria me estuprar e eu não conseguia me soltar, estava desesperada. Até hoje, não sei como consegui ter força e coragem para sair correndo, mas consegui. Eu moro sozinha, perto da universidade onde estudo. É uma cidade universitária muito insegura à noite, principalmente para mulheres. É comum acontecerem ondas de estupros de estudantes lá. Uma noite, aproximadamente às 19h, eu e uma amiga fomos abordadas perto de casa e obrigadas a entrar em um carro com três homens. Era um sequestro relâmpago e eles só queriam nos roubar, mas durante as duas horas e meia que estivemos com eles, eu soube o tempo todo que se eles quisessem nos estuprar, não havia nada que pudéssemos fazer para evitar. Eu entrei em desespero quando um deles começou a dizer que nós éramos muito bonitas e a perguntar se tínhamos namorado. Muitas coisas passaram na minha cabeça. Comecei a bolar planos de fuga, tentei procurar alguma coisa que eu pudesse usar para matar os caras. Tive tanto medo! Naquele dia eu estava com uma blusa um pouco mais decotada e o tempo todo eu me sentia culpada. Eu sabia que se eu fosse estuprada, eu iria me culpar pelo resto da minha vida por estar usando uma blusa decotada e por estar à noite na rua. Eles não nos estupraram, mas eu nunca mais consegui andar sozinha depois das 19h sem estar acompanhada por um amigo homem, e nunca mais dei informações para desconhecidos na rua. Quando eu tinha 15 anos, um instrutor da academia onde eu fazia musculação disse que eu teria que fazer um novo exame médico. Eu disse que não podia fazer naquele dia, pois ia estudar na casa de um amigo. Ele insistiu até eu aceitar fazer o tal exame. Fomos para uma sala isolada e ele trancou a porta e disse para eu deitar. Quando eu deitei, ele pediu para eu tirar toda a roupa. Eu fiquei constrangida e não me mexi. Ele arrancou a minha calça e calcinha de forma bruta e tirou a minha blusa. Eu estava tão chocada que não reagi. Ele disse que eu não precisava sentir vergonha, porque era só um exame. Ele me deixou só de sutiã e passou a mão no meu corpo inteiro, inclusive nas minhas partes íntimas, enquanto anotava uns números num caderninho. Não sei quanto tempo isso durou, mas eu sentia que aquele inferno nunca teria fim. Ele agia tão tranquilamente que eu realmente cheguei a pensar que aquilo fosse só um exame médico normal. Não tive forças para gritar ou sair correndo. Quando ele disse que tinha terminado o exame, ele me abraçou como se nada tivesse acontecido. Eu fui correndo pra casa e fiquei um tempão no banho, me sentindo suja, e chorando. Só tive coragem de contar para a minha mãe de madrugada. Minha mãe ficou muito nervosa. Meu namorado brigou comigo por ter deixado um desconhecido passar a mão no meu corpo. Minha avó perguntou se eu já tinha paquerado o instrutor, e que tipo de roupa eu usava na academia. Todos disseram que eu poderia ter evitado se quisesse. Todos me culparam, ninguém me viu como uma vítima. Eu só tinha quinze anos e era virgem. Fiz um B.O. na delegacia, e descobri que o que o instrutor fez comigo era considerado “atentado violento ao pudor mediante fraude”. A delegada disse que eu teria que fazer um exame de corpo de delito. Eu não queria fazer, não queria passar por isso, mas minha mãe insistiu e eu fiz. Foi um dos momentos mais horríveis da minha vida. Eu me senti humilhada, vulnerável, sem poder sobre o meu próprio corpo enquanto várias pessoas me viam nua e me fotografavam deitada numa maca com as pernas abertas. Eu tinha vontade de vomitar. Eu sentia ódio daquele cara que era o culpado de eu estar passando por tudo aquilo. E o pior era que as mulheres que trabalhavam no hospital onde eu fiz o exame de corpo de delito não achavam grave o que tinha acontecido comigo, porque afinal, eu ainda tinha um hímen, então estava tudo bem! Quando voltei à delegacia, fui ridicularizada pela escrevente, que não entendia porque eu estava prestando queixa contra um cara que não tinha me estuprado. Um dos responsáveis pela delegacia, um homem, disse para eu desistir do caso, porque o instrutor da academia “bebia umas cervejas” com ele, então seria chato eu causar uma inimizade entre os dois. Aquilo estava me fazendo tão mal e eu estava tão cansada, que eu desisti. O instrutor até hoje trabalha na mesma academia, perto da minha casa, mesmo depois de a minha mãe falar o que tinha acontecido para os donos do estabelecimento. Ele disse que eu era uma louca mentirosa, que isso nunca tinha acontecido. Recentemente, um amigo de infância teve uma discussão comigo sobre estupro. Ele não entendia a gravidade de um estupro. É o tipo de pessoa que acha que algumas mulheres estão pedindo para ser estupradas e que outras até gostam disso. Ele disse que eu era uma fraca, que o mundo tem muitos problemas piores que um “estuprozinho” qualquer. Ele falou tudo isso mesmo depois de saber das coisas que eu tinha passado. Esse acontecimento com o instrutor da academia e todos os outros casos de machismo no meu dia a dia prejudicaram intensamente a minha vida afetiva e sexual. Mesmo depois de dois anos e meio de namoro, eu não aceitei transar com o meu namorado, porque cada vez que ele me tocava, eu me sentia mal. Depois que terminei o namoro, fui a festas universitárias e cheguei a trocar beijos com alguns rapazes, mas nunca deixava passar desse ponto, porque me sentia invadida e desrespeitada. Sentia um mal-estar físico, náuseas e vontade de sair correndo.Acabei me cercando de amigos gays. Nunca mais me envolvi com nenhum homem. Só tinha paixões platônicas, impossíveis. E isso me deixava satisfeita, porque eu não queria que ninguém me tocasse. Ao mesmo tempo, sempre falei sobre sexo com meus amigos com bom humor e nunca demonstrei ter qualquer problema referente à minha sexualidade. Nunca me abri desse jeito com ninguém. Recentemente, conheci um rapaz da minha idade, e as coisas mudaram bastante. Ele não é machista. Ficamos amigos e desde o começo era uma espécie de amizade colorida. Pela primeira vez, eu me senti respeitada de verdade por um homem. Ele nunca me tocou sem a minha permissão, nem fez qualquer tipo de pressão psicológica para que eu transasse com ele. Mesmo sem qualquer tipo de sentimento romântico por mim, ele me tratou tão bem como eu nunca tinha sido tratada antes. Nós temos uma relação de amizade muito verdadeira. Tive minha primeira relação sexual com ele, aos vinte anos. Sem traumas, sem medo, sem os sentimentos ruins que sempre me acompanhavam cada vez que um homem me tocava. Estou feliz por ter começado uma nova página na minha vida. Não sei se vou achar mais homens assim, mas agora tenho esperança. De certa forma, acho que dias melhores virão. Obrigada, Lola, por ajudar tantas garotas como eu que já sofreram ou sofrem com o machismo. O seu blog foi o ponto de partida para que eu começasse a entender o que de fato é o movimento feminista. Hoje sou uma mulher mais forte e disposta a lutar por todas nós.
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