GUEST POST: ÀS MULHERES QUE COMEÇAM A SE INTERESSAR PELO FEMINISMO
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GUEST POST: ÀS MULHERES QUE COMEÇAM A SE INTERESSAR PELO FEMINISMO


É interessante como cada pessoa tem sua própria história de como chegou ao feminismo. Nenhuma história é mais legítima que outra, óbvio. 
Eu sou muitas vezes criticada por lembrar que sou feminista desde criancinha, mas esta é a minha realidade, que não me faz nem melhor nem pior que qualquer outra feminista, ué. Sei, no entanto, que venho de uma posição de privilégio. A N. me enviou a sua história, com um convite para todas as meninas.

Por que eu me tornei feminista? Poderia citar que me irrito com o fato de não poder andar pelas ruas de São Paulo sem sem assediada (e olha que não sou nenhuma beldade). Eu poderia citar que sou e vejo mulheres sendo abusadas moralmente e verbalmente (sendo silenciadas ou ignoradas pelo simples fato de serem mulheres). Eu poderia citar tantas coisas… Mas infelizmente, uma delas é o meu motivo maior.
Fui abusada quando era pequena. Diversas vezes. A primeira delas foi na casa de amigos dos meus pais. Meu irmão tinha nascido fazia pouco tempo, devia ter alguns meses. Não tinha colchão pra eu dormir com a minha mãe, então fiquei no quarto de uma das filhas mais velhas do casal de amigos dos meus pais. Ela saiu pra trabalhar e eu fiquei lá, dormindo. Acordei sentindo movimentos dentro da minha calcinha. Não abri os olhos, achando que era um amiguinho, neto desse casal, e queria dar um tapa nele e assustá-lo. Mas quando dei o tapa, a mão era muito mais pesada do que eu poderia imaginar. Abri os olhos assustados e vi, na minha frente, o também assustado “amigo” dos meus pais -– a quem eu chamava carinhosamente de vô. Ele saiu apressado do quarto.
Não, eu não assustei o menino, de quem eu não tinha medo porque era crianca como eu. Fui assustada por um homem feito, com filhas crescidas, me acariciando -– se é que tal toque pode ser chamado de carícia -– por baixo da calcinha. Uma menina que nem pelos tinha. Não consigo imaginar que tipo de atrativos tinha uma garota de 7 anos, dormindo, para um senhor que me despertava um carinho de neta. Que nojo!
Não me recordo de muita coisa, mas a sensação do susto e de abandono nunca me deixou. Fui correndo pro quarto onde a minha mãe estava, pra ficar perto dela e me sentir segura. Mas o meu irmão, que tinha poucos meses, estava dormindo, e ela me deu uma bronca porque eu “poderia acordá-lo”. Não a culpo de maneira nenhuma; como ela ia adivinhar? Mas ter passado por aquilo e ser enxotada de perto da minha mãe, minutos depois, me fez, pela primeira vez, lidar com o absurdo da solidão.
Meses depois, contei pra minha mãe. Como se fosse a coisa mais natural do mundo. Falei com desenvoltura, mas por dentro o coração batendo de medo e culpa. Não lembro o que ela falou pra mim, sei que me acolheu e senti um misto de raiva e alívio. Raiva por ter sido acolhida tanto tempo depois e alívio por finalmente ter sido acolhida. Ela contou pro meu pai e até hoje não sei que providência ele tomou. Só sei que não foram suficientes, pois, a meu ver, ele deveria ter denunciado o tal do “vô”.
Dois anos depois, jogando videogame sozinha no quarto de uma prima, o marido dela me pediu para que ficasse em pé. Fiquei, sem saber o motivo. Ele me encoxou. Coloquei o controle no chão, sem dar um pio e nem pausar o game e fui pra cozinha, morta de raiva e de vontade de gritar pra todo mundo o que ele tinha feito. Contei pra minha mãe e morreu ali.
Passaram-se três anos e novamente aconteceu. Dessa vez com o perueiro que me levava e me buscava na escola. Ele me encoxou enquanto eu subia na perua. Desacreditada com as consequências, não contei pra ninguém, mas era bem esperta e dava um jeito de não ser a última a subir na perua. Um dia, sem mais nem menos, a professora da escola onde eu estudava ligou pra minha mãe pra falar sobre o perueiro da filha dela, que era também o meu. A filha dela havia reclamado dele porque ele a chamava de gostosa.
Minha mãe me contou e então eu abri o jogo. Os pais da minha amiga resolveram tomar uma providência. Sei que eles, meus pais e os dela, se reuniram com o perueiro e com a mulher dele pra falar sobre o caso. Continuamos indo na mesma perua, e o perueiro nunca tocou no assunto. Não sei o que falaram, mas deu certo.
Tudo isso ficou guardado dentro de mim, até o momento em que eu comecei a ler o blog da Deborah. Tudo o que ela escrevia fazia tanto, mas tanto sentido, que comecei a pesquisar a respeito, e vim parar no seu blog, Lola. E então comecei a questionar as pessoas, dentro das minhas possibilidades (convívio digital e real) sobre o império do machismo, vulgo patriarcado, no mundo em que vivemos.
Esses questionamentos afastaram várias pessoas de mim. Na época doeu, mas hoje agradeço. Lamento o afastamento de apenas uma dessas pessoas. Não sei se ela vai chegar a ler esse depoimento. Mas arrumamos uma encrenca por causa do Dia da Mulher no twitter, no ano passado. Eu twittei, o dia todo, sobre a tal da rosa, que eu não queria, que queria respeito, dignidade, salário justo, ser ouvida, chegar ao meu destino sem ser atormentada. E, com uma indireta bem reta pra mim, ela me chamou de mal humorada. Por causa da minha luta.
Mas eu já sabia que feminista leva fama de mal humorada só por ser feminista. Lamentei o fato de ela não enxergar tal realidade, e deixei que ela partisse para o convívio com amigos mais bem humorados do que eu.
Por essas e outras, vai um recado pra quem está começando a se identificar com o feminismo. Você tem um motivo para lutar, ou não estaria se identificando. Pode não ter sido abusada como eu, mas existem tantos outros motivos. Não se perca. As pessoas vão embora da sua vida porque você está se tornando chata, cri cri, briguenta, mal humorada. Deixe-as partir. Se elas não enxergam os seus motivos, mesmo depois de você explicar mil vezes, deixe-as, mas não se limite por causa delas. 
Lute do seu jeito. De forma agressiva, de forma sutil, de qualquer forma, mas não deixe de lutar e também não deixe que digam a você como lutar. Mulheres como eu e você estão só esperando pela deixa pra se libertarem e se reinventarem como autoras de suas próprias vidas.
Suas palavras podem salvar uma vida. Não cale o seu feminismo. Agradeço por todas as que não se calaram. Hoje posso dizer que caminho para a liberdade. E a minha liberdade está em lutar!




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