GUEST POST: CARTA A MINHA FAMÍLIA
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GUEST POST: CARTA A MINHA FAMÍLIA


A L. se inspirou em alguns guest posts pra escrever uma carta cheia de lembranças e revelações para sua família: 

Oi, meu povo.
Hoje vou escrever a todos, MENOS pro papai, ok?
Lembro que em uma das últimas vezes que fui aí mamãe e papai me perguntaram porque eu não gostava do Claudio [todos os nomes da carta foram trocados] e esperavam que um dia eu fosse falar.
Primeiro li um email da mãe e fiquei ruinzinha de saber que essa criatura ainda ronda nossa família. Daí li esse post.
E achei que deveria finalmente escrever.
Bom, não escrevo para o papai porque ele é o mais chegado no indivíduo e por causa do coração. Decidam em família se devemos contar ou não.
Sabe, eu pretendo ter filhas (duas, gêmeas), e talvez Tânia, Francisco e Carolina possam vir a ter filhas também.
E, infelizmente, coisa mais comum de se rolar em família é abuso sexual, principalmente infantil (com meninos e meninas).
E o que as famílias fazem?
Jogam pra baixo do tapete, lidam como um acontecimento isolado e infeliz, quando muito como doença.
Eu não quero que minhas filhas passem pelo o que passei, eu não vou varrer pra baixo do tapete se isso acontecer. Vou colocar a boca no trombone mesmo, denunciar, doa a quem doer.
Bem, vocês me conhecem.
Ok. Eu já contei para Tânia na época em que estava indo com ela para o interior e ela não viu tanta gravidade, talvez vocês não vejam, mas quem sabe contando logo de uma vez eu seja poupada de encontrar com esse ser?
Vamos começar do início?
Lembro de quando era criança um fotógrafo foi lá em casa tirar fotos minhas e insistiu muuuito para que eu ficasse nua. Estava só eu e uma empregada (menina?) e ficamos sem muita reação. Mas bati o pé e o máximo que cedi foi tirar foto de biquíni (um azul, com frufru).
Tempos depois, tinha um garoto na sala que ficava me assediando, querendo me levar pro banheiro e falava as coisas que queria fazer comigo. Acho que isso não é muito normal, né? Eu ficava super assustada e, pra piorar, nessa época falavam que eu era namorada de um dos filhos da dona Sueli (um louco lá), só porque eu conversava com ele.
Isso tudo por volta dos 6 anos.
Passou o tempo, mudamos pra outra cidade, Claudio nos fez umas visitas naquela casona e depois ficou doente. Lembram?
Pois é, nesse tempo (em que ele ficou doente) eu já estava por volta dos 12 anos, já tinha menstruado, o corpo estava começando a se formar.
E esse indivíduo ficava ligando lá pra casa perguntando essas coisas.
Me assediando por telefone, dias e dias.
Ele ligava, se a empregada atendia, deixava mudo, se eu atendia, ficava falando obscenidades para mim pelo telefone (e, bom, era o Claudio, aquela pessoa amiga da família, muito desconcertante ouvir essas perguntas, falar, negar). 
Tentei falar com mamãe sobre isso na época, mas a única coisa que consegui articular foi algo como "tem alguém fazendo umas ligações estranhas para cá".
Isso é normal, minha gente?
Ok, ele é doente, visivelmente doente, mas acabou me fazendo adoecer também.
Desculpe, mas ter um histórico desse com 12 anos não é algo muito fácil de se digerir.
Ele era uma pessoa que eu gostava, fazia festa e, acima de tudo, confiava.
Alguém notou que eu fiquei mais fechada? Afinal, se isso aconteceu dentro de casa, com alguém de confiança, o que me guardava o mundo?
Sabe, essas são as coisas que eu lembro que me marcaram, mas eu não sei se eu acabei esquecendo de alguma coisa para me preservar.
Posso dizer que por muito tempo me senti profundamente abusada e com medo de ser mais. Morria de medo da possibilidade de perder minha virgindade num estupro.
E sabe o que foi pior?! Marcos disse que meu hímen estava mexido.
Eu não quero receber um "ah, mas isso é normal, é assim mesmo, liga não, deixa de besteira".
Porque isso pode ser normal no sentido de ser recorrente, mas não é o que deveria acontecer.
Lembra o que aconteceu no último assédio que eu levei? Do cara que mostrou o pinto pra mim no meio da rua perguntando quanto era o programa?
E se ele tivesse me levado pro meio do mato que tinha poucos metros à frente e fizesse algo comigo?!
Lembra como vocês lidaram com isso?
Bom, temos três bacharéis de direito em casa, não preciso informar a vocês que crimes envolvendo abuso sexual e violência contra a mulher são os que são mais impunes no MUNDO. Que muitas vítimas nem chegam a denunciar o caso, já prevendo a forma com que serão tratadas.
Infelizmente ajudamos a perpetuar isso quando não falamos, quando não denunciamos.
A certeza de impunidade estimula mais e mais esse crime.
Não adianta ter lei se não há seu cumprimento.
Eu não consigo relativizar essas coisas como não sendo sérias. Talvez o azar seja só meu. Mas da próxima vez que eu for pra capital, espero não encontrar com essa pessoa. Eu não quero ouvir nenhuma desculpa por parte dele e ele não vai ter nunca (?) meu perdão.
Estou cuidando dos meus traumas e esquecendo as dores aos poucos e posso dizer que hoje (aos 26 anos) já sei reagir para não ficar traumatizada e levar esse tipo de desaforo pra casa (ufa!).
Ademais, digo que me deu um nó terrível no coração quando soube que tinha uma sobrinha morando com ele numa época antes dele se separar da Fernanda. A menina tinha quase a idade que eu tinha na época dos abusos. Chorei muito, pelas lembranças e por ser incapaz de avisá-los para que ele não fizesse outra vítima.
Porque se o q ele tem é doença, eu não duvido que essa menina possa ter sido molestada.
Se estiverem dispostos, esse post aqui me ajudou muito a entender por que não falei antes.
Espero que possamos cuidar da nova geração com a devida atenção, para que, na medida do possível, ela cresça sem traumas advindos de nossa inércia, do nosso sentido de normalidade doentio.
Marcos costuma dizer que a militância é como um vício pra mim, que eu sempre busco uma causa, e que a nova é o feminismo. Mas sabe, acho que, de certa forma, sou feminista desde criança.
Seria muito bom se todos fossemos.




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