GUEST POST: COMO VIREI ATEU, UM TESTEMUNHO DE NÃO FÉ
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GUEST POST: COMO VIREI ATEU, UM TESTEMUNHO DE NÃO FÉ


O Robson, do blog Consciência, já nos brindou com diversos guest posts. Um deles, sobre ateofobia, foi dos mais comentados do ano passado. Em outro, ele enfrentou o preconceito contra ateus. Neste aqui, ele conta o que o levou a tornar-se ateu. Acho um relato fascinante, inclusive por ser bastante raro. Eu, por exemplo, sou ateia há tanto tempo (desde os treze anos), que não me lembro do passo a passo do meu ateísmo. Lembro apenas que havia (há ainda) diferenças irreconciliáveis entre meu feminismo e a crença em uma figura patriarcal, masculina, barbuda e branca que é chamada de Deus (com maiúscula). Gostaria de frisar que nem eu nem o Robson estamos fazendo apologia ao ateísmo, apenas narrando uma experiência pessoal. E não se pode negar que ateus seguem sendo um dos grupos mais discriminados que há no Brasil. Assumir nosso ateísmo com orgulho é uma forma de combater este preconceito. Eis o "testemunho de não fé" do Robson.

Um testemunho de não fé pode ser visto com olhos desdenhosos por religiosos e mesmo por alguns irreligiosos, que podem achar que estou fazendo o mesmo que evangélicos que depõem como se converteram ao cristianismo -– ou seja, de alguma forma pregando que sigam meu exemplo, que mais pessoas se tornem ateias.
Mas, por outro lado, mostrar às pessoas por que virei ateu poderá lhes derrubar mitos sobre o abandono da fé religiosa –- como a falsa crença de que ateus o são porque “fizeram pacto com o demônio” ou porque queriam uma “liberdade libertina” de “embriaguez, orgias e drogas” a despeito dos ensinamentos das igrejas. Assim sendo, o testemunho ateísta pode servir como uma investida contra o preconceito que tantos religiosos têm contra os ateus, suas (des)crenças e sua motivação para ter abandonado a religião.
Meu ateísmo veio em fevereiro de 2005, bem antes de eu ter a visão de mundo que tenho hoje. Posso dizer que foi a primeira grande revolução pessoal pela qual passei –- as outras foram o vegetarianismo e o hábito de ler. Eu já estava com minhas crenças teístas em decadência desde meados de 2004, e o ateísmo foi a conclusão dessa desconversão.
Até a primeira metade de 2004 eu era bastante cristão, embora não frequentasse igrejas. Era um cristianismo de tendência protestante. Eu orava todos os dias, acreditava que Jesus existiu e “morreu na cruz para nos salvar”, cria em demônios e encostos –- quando havia briga na família, eu achava que era intervenção demoníaca –-, levava a sério que Jesus poderia voltar a qualquer momento e a banda que eu mais apreciava era uma banda cristã de metal alternativo.
Então frequentador de fóruns virtuais de tema livre, me deparei em um deles (já extinto), em julho de 2004, com o conto (provavelmente lendário) da entrevista à radialista cristã Laura Schlessinger, no qual se mostrava que o deus cristão era benevolente para com a escravidão e outros absurdos da lei do Pentateuco. Foi minha primeira decepção com a Bíblia -– que, a saber, eu nunca tinha lido fora do Salmos 91.
Poucos dias depois, li em um outro site que Deus não só apoiava a escravidão no Velho Testamento como também fazia guerras no mesmo, tal como um grão-general. Minha ideia sempre tinha sido a de que Deus tinha uma ética imutável e pacifista e que os hebreus bíblicos eram um povo pacífico que só guerreava para se defender. Entendi então que eu era cristão simplesmente porque não conhecia a Bíblia.
Então, já voltei às aulas (do pré-vestibular que eu fazia na época) não mais cristão, mas ainda crente em Deus -– numa certa crença teísta que denomino pós-cristã. Continuava orando, acreditando em providência divina e crendo que Deus me ajudaria a fazer um grande vestibular. Tanto que, num blog pessoal que eu mantinha naquele tempo (que não era o Consciência Efervescente nem tampouco o Consciencia.blog.br), inseria em cada post, nas semanas anteriores ao vestibular que eu faria para Jornalismo, uma frase parecida com “Deus, me guie rumo à vitória!”, e expressava o desejo de que Deus ajudasse John Kerry a tirar o malfeitor George W. Bush do poder nas eleições estadunidenses de então.
A crença teísta pós-cristã permaneceu estável até o terrível tsunami do Oceano Índico. Tanto que paguei promessa por ter passado no vestibular com uma nota alta andando um grande pedaço da avenida que liga minha casa à UFPE e beijando o chão do prédio onde eu estudaria (por apenas dois meses, desistindo do curso de Jornalismo por crise psicológica).
Depois do tsunami, li em uma notícia um ateu falando que o tsunami e as tantas mortes humanas causadas eram uma prova da inexistência de um deus pessoal como aquele em que eu ainda acreditava. Minha fé então foi minada, e passei por uma transformação gradual da crença à descrença. Via Deus como uma entidade de existência cada vez mais duvidosa. Em janeiro de 2005 fiz uma “oração de despedida”, esperando que a divindade provasse sua existência me ajudando mesmo sem orações.
Poucos dias depois da “oração de despedida”, minha crença “decaiu” ao deísmo –- eu passei a acreditar que Deus nada mais era do que uma energia cósmica transcendental que movia o universo, inclusive crendo que a energia escura seria algo que transcendia o universo material, como uma característica do deus-energia transcendente.
Mas a crença não parou mais de “decair”, de modo que passei a ser agnóstico depois de ter deixado de acreditar na energia transcendental, adquirindo um ceticismo incipiente que era o embrião do meu atual pensamento irreligioso. Às vésperas do meu aniversário de 18 anos, em fevereiro de 2005, completei então minha transição ao ateísmo.
Por algumas poucas vezes, nos meses que se seguiram, passei por momentos de conflito com familiares e amigos intolerantes para com ateus. Mas depois deixei de ter esses problemas, uma vez que as pessoas com quem convivo aceitaram tacitamente meu ateísmo. Vez ou outra algum(a) parente ainda tenta me perturbar, insistindo a mim que “Deus (o da Bíblia) existe” e que “Jesus morreu na cruz para nos salvar”, comportamento a que respondo com indiferença.
Hoje vivo muito bem em se tratando de condicionamento psicológico e espiritual. Ao contrário do que o preconceituoso senso comum religioso acredita, não tenho nem um pingo de infelicidade espiritual, nenhum problema relacionado à falta de “respostas” metafísicas. Contemplo a natureza e o fenômeno da vida com muito regozijo, ao contrário do desencanto que supostamente marca o pensamento ateísta segundo religiosos.
Minha posição sobre a morte é que ela é o fim de minha existência, a volta para o nada, mas nada impediria que surgisse uma nova consciência em algum lugar do universo -– ou, quem sabe, em outros universos paralelos -– que assumisse o papel que minha consciência exerce hoje, o de contemplar e interagir com o mundo fora do meu corpo -– a grosso modo, uma espécie de reencarnação sem espírito.
E, para tornar minha convicção ateísta ainda mais sólida do que já é, periodicamente tomo conhecimento de novos fatos que me comprovam que a crença em um deus pessoal é incoerente: orações frustradas com a morte ou sofrimento de pessoas religiosas, pessoas mostrando como o deus em que creem é relativo e subjetivo demais para existir objetivamente, catástrofes que atestam a inexistência de providência divina interventora etc.
Assim eu vou vivendo, sem nenhuma divindade e com muita disposição para viver uma vida feliz.




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