GUEST POST: DESCOBRIR-SE LÉSBICA QUANDO ADULTA
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GUEST POST: DESCOBRIR-SE LÉSBICA QUANDO ADULTA


Conheci Maria Isabel, a Bau, numa disciplina durante meu doutorado na UFSC. Fiquei instantaneamente encantada com ela, sempre animada, com aquele sorriso enorme. Uma pessoa que realmente faz bem pra alma de todo mundo que passa perto dela. Foi a primeira amiga lésbica que eu tive na vida. 
Ao fundo, Bau na minha defesa, em 2009
Sempre fiquei admirada pela sua história de vida. Bau só "descobriu" sua lesbiandade depois de adulta, casada (com um homem), com três filhos. Hoje sei que isso não é tão incomum. E já faz muito, muito tempo, que peço pra Bau compartilhar sua história. Finalmente, ela topou. E ela tem tanta segurança e orgulho de quem é que não precisa de anonimato, pseudônimo, nada.  
Creio que seu relato mostra, apesar de todas as dificuldades, a importância de se assumir, até como forma de estratégia política. Calcule quantas pessoas homofóbicas a Bau transformou apenas por se assumir. Mas é preciso sempre respeitar o seu próprio tempo, o seu ritmo. 

Lolinha do meu coração, conforme você me pediu, aqui vai minha história. Vou resumir, porque é longa...
Nasci em 1956, em São Paulo, filha de pais da classe média intelectual, recém-saídos da USP. Pobres como todos os professores, foram viver com as três filhas pequenas na cidade de São Carlos. Minha infância foi normal, brincava e estudava. 
Quando entrei na adolescência, comecei a perceber que havia algo diferente em mim, e que não tinha muita afinidade com os assuntos das meninas. No entanto, aquilo para mim era um problema sem solução, pois meu mundo consistia de meninas que queriam namorar os meninos e meninos que queriam namorar as meninas. 
Eu sempre tinha uma amiguinha com a qual me identificava e andava “grudada” com ela.
Mas namorava meninos, porque era a coisa certa a fazer. Nunca imaginei que eu gostasse de mulheres. Sentia isso, mas só consegui avaliar depois de ter assumido isso, de ter visto modelos exteriores. Eu não me questionava, apesar de saber que havia algo diferente. Eu não tinha ideia em que nível era essa diferença. Achava que era assim, e que a vida era estranha mesmo. Ia vivendo, estudando, fazendo esporte, mas sempre muito fechada em relação às minhas sensações. Então eu escrevia poemas, todos muito sofridos, amargos, apesar de eu exteriormente ser sempre uma pessoa positiva e bem humorada. 
Com isso, acabei me casando aos 23 anos, e tive meu primeiro filho, Bruno, aos 25 anos. Depois tive Daniel aos 27 e depois engravidei de André aos 30 anos. Quando me casei, eu já conhecia lésbicas, e tive uma grande amiga, já falecida, lésbica assumida. Esse não era um modelo legal, era uma pessoa atormentada, uma artista, que vivia também em situações que para mim pareciam meio limites. 
Mas quando nasceu meu filho Daniel, umas amigas me convidaram para jogar no gol do time de handball da UFSCar, onde eu já havia jogado anos antes. Voltei a jogar, e fiz amizade com muitas das moças do time. Um dia me convidaram para uma festa; fui e vi que algumas delas eram casais lésbicos, e casais bem convencionais, gente bem “certinha”, como eu era, como eu me sentia. 
Fiquei encantada! Aquela foi uma grande revelação para mim, e foi ali que algo se rompeu, e liberou os sentimentos represados desde sempre. A partir daí comecei a pedir a separação. Eu tinha certeza de que queria uma mulher. Nem questionei, para mim ficou clara, claríssima, a origem de minha inquietude na adolescência. Houve idas e vindas de final de casamento, mas já estava encantada por uma mulher, também casada, que tinha me paquerado numa festa. 
No entanto, aquela foi uma época terrível. Imagine final dos anos 80, sem internet ou celular -– aqueles celulares enormes estavam começando a aparecer, custavam uma fortuna! -- e eu pedindo a separação para poder viver minha vida, viver em paz minha sexualidade. 
Eu não podia dizer a ninguém que eu queria me separar porque tinha descoberto ser lésbica, porque naquela época a homossexualidade era considerada doença. Meu ex-marido dizia às pessoas amigas que ia tirar os filhos de mim, enfim, houve uma agressão, houve muita pressão. Eu não retrocedi. Uma vez ou outra meti os pés pelas mãos, mas a situação era muito complicada, e eu fiquei confusa com toda essa mudança. Eu perdi todo meu referencial. 
Depois da separação comecei a namorar, e a namorada veio morar comigo. Foi uma relação de oito anos. Por sorte, uma amiga me recomendou uma terapeuta, e ela me ajudou muito a compreender todas as mudanças. Meu pai foi muito legal, e nunca deixou de frequentar minha casa, de me apoiar. Minha mãe soube na rua, alguém contou para ela, e ela parou de falar comigo durante anos. 
A turma do vôlei me deu um “fora” indiretamente, os amigos e amigas se afastaram por vários motivos. Mas outros ficaram, me entenderam, não me abandonaram. Eu cuidava dos filhos, trabalhava –- sempre fui professora --, e ainda tentava acertar minha vida afetiva. Apesar de não explicitar sobre a relação, não verbalizar, eu vivia a situação normalmente, como se ela fosse casada comigo. E ponto. 
Devo dizer que agora tudo parece bem distante e leve, mas não foi. Muita gente me aceitou porque gostava de mim como pessoa. Mas muito pouca gente gostava da minha namorada. Sem contar umas poucas presenças em nossa vida, não recebíamos convite para ir a nenhuma parte, nem participar de coisa alguma, ficamos isoladas dentro de nosso mundo. 
Meus filhos sofreram com as maldades de muitos colegas, vários pais de amigos de meus filhos faziam muita pressão contra minha presença, falavam coisas para meus filhos, e eles não me contavam para não me magoar. Eles sabiam que eu sofria. Felizmente há quase dez anos escancaramos as porteiras, meus filhos e eu. Eles são maravilhosos, as noras também, e as famílias das noras. Todos sabem. No meu trabalho também sabem. Não existem mais segredos, quebramos as portas do armário, e meus filhos me ajudaram muito nisso. 
Acho que só não sofri mais porque trabalhava demais, não tinha muito tempo, tinha que pensar em tantas coisas. Hoje em dia, a gritante maioria das pessoas que se afastou está novamente perto de mim. O tempo, as conquistas sociais do movimento LGBT e a própria experiência de vida de cada um/a fizeram com que essas pessoas de minha infância, adolescência e mesmo da vida adulta compreendessem e se aproximassem. Minha mãe um dia voltou a falar comigo, e muitos amigos e amigas também, sem explicação, sem precisar dizer nada. A família está toda próxima e sem preconceito.
Mas a coisa mais linda que escutei sobre tudo isso foi o depoimento de uma amiga que fiz no início dos anos 90, cujos filhos eram meus alunos. Ela tinha ficado surpresa ao saber que eu era lésbica, e me disse: “Eu fiquei chocada. Eu era homofóbica. Mas então descobri que amava você, minha amiga. Como me afastar de uma amiga a quem a gente ama? E eu me rendi, e deixei a homofobia de lado, e me reaproximei de você.” 
E foi assim que minha história se desenrolou. 




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