GUEST POST: DESCULPA, VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NÃO É NORMAL
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GUEST POST: DESCULPA, VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NÃO É NORMAL


A M. me enviou este email:

Sou leitora do blog, e me considero uma feminista apesar do que tenho pra te contar. E você é a única a saber disso.
Eu sou casada há pouco mais de 5 anos, e estamos juntos há quase 9. Tenho um relacionamento que eu sempre sonhei, de pura cumplicidade, de respeito e de amor. Não moramos no Brasil há um ano e meio, e apesar de ter que recomeçar, sei que tomamos a decisão certa de mudar pra ter qualidade de vida.
Eu sofri sim violência doméstica. Mas meu marido nunca se encaixou no típico perfil. Ele nunca controlou nada, sempre gostou de como me vesti, da maneira como levo a vida, do meu corpo fora do "padrão de beleza" e de como sou. Nunca me ameaçou, nunca duvidou de mim.
Mas, em um dia que tivemos um problema que saiu do nosso controle, ele se descontrolou, e me encostou na parede. Apertou meu braço, e de repente eu tinha um outro homem na minha frente. Eu terminei, disse que não queria isso pra minha vida. Eu tinha 21 anos. Ele me pediu perdão, disse que não ia acontecer de novo. Eu o amo, Lola, sempre o amei. E voltei. E comecei a entender o problema. Essa era a forma que ele reagia quando as coisas saíam do controle dele. E foi o que a mãe dele disse pra mim: ah é normal, ele reage assim. O que eu pude responder diante disso foi: não é normal, desculpa.
Depois disso, comecei a fazer ele entender que não era normal. Que ele não tinha direito de fazer isso com ninguém (sim, não era só comigo, eu já vi ele reagir dessa forma com o pai, com as irmãs e com a mãe). E aos poucos fomos conversando, mas eu confesso Lola, ele não entendia 100%. A forma como ele foi criado influenciou demais em tudo isso. E tivemos por muitos anos longas conversas sobre o assunto.
Alguns anos depois outro problema grave nos afetou, e aí sim apanhei. Ele bateu em mim, ameaçou bater o carro, e estava lá aquela pessoa que eu não conhecia. Naquela mesma noite, não conseguia mais entender tudo aquilo, só sabia que não dava mais. Depois que ele se acalmou, conversamos, e falei como tudo aquilo tinha afetado nossa vida, minha vida e a dele também. E disse que eu até pensava que poderia ajudá-lo, mas não podia. Aquilo era muito além do que eu conhecia de problema. E ele me pediu ajuda, pra procurar alguém que pudesse tirá-lo daquilo. Aqui, Lola, você pode me julgar, falar que eu fui muito errada de continuar, de acreditar, mas eu o fiz. E te escrevo pra te dizer que não me arrependo.
Ele mudou, é uma outra pessoa. Faz terapia, fez parte de um grupo de ajuda enquanto estávamos no Brasil, e eu te digo que nunca mais tivemos nada nem parecido. Já aconteceram diversas coisas que saíram do controle, e sentamos, conversamos e resolvemos, como sempre deve ser. Hoje ele é leitor do seu blog, entende que tem um problema, e entende que nada se resolve com violência, que isso não é o normal. Conversou  muitas vezes com a mãe, com os pais, e infelizmente teve que se afastar deles um pouco, por acharem que "isso de o homem e a mulher serem iguais tá errado". Pra ele somos iguais sim.
Dividimos problemas, tarefas de casa, sonhos e planos. Não sinto medo, nem receio. Confio nele e ele confia em mim.
Talvez você diga que estou louca e errada, mas pra mim fiz o certo. Nunca me arrependi e sou feliz demais com a vida que temos, a escolha que fizemos, e ver o quanto amadurecemos.
Lutamos pela igualdade, lutamos pelos animais (somos vegetarianos há pouco mais de dois anos) e vemos tudo isso como uma superação.
Ler o blog nos ajuda, nos faz entender melhor o que acreditamos.
Essa é a minha história, confiei em você depois que li vários guest posts, inclusive aquele que um estuprador escreveu. Talvez você entenda tudo isso que escrevi, a forma como me sinto e minhas escolhas.
Obrigada por ter esse meio de desabafar e por tudo que você escreve.

Poster da Anistia Internacional contra
a violência doméstica 
Minha resposta: M. querida, não estou aqui para julgar ninguém. Eu critico o sistema. Evito, sempre que possível, criticar indivíduos. E algo que definitivamente não faço é decidir quem é ou não é feminista. Não tenho poder nem vontade para ficar cassando carteirinhas. 
Recebo vários emails com questões como: posso ficar em casa cuidando dos filhos e ser feminista? Posso ter montes de pares de sapato e ser feminista? Posso ser obcecada por maquiagem e ser feminista? Posso mostrar os seios numa manifestação e ser feminista? Posso não mostrar os seios numa manifestação e ser feminista? Posso votar num playboy misógino e ser feminista? (Ahn...). Posso ser homem e ser feminista? Eu sempre respondo que sim, pode. Porque não tem uma comissão que avalie o feminismo de cada feminista. Eu acho bem ridículo decretar que uma feminista de quem você discorda sobre algum assunto não é feminista. Ainda precisamos aprender a discordar.
Não sei se você sabe, mas um dos grandes ícones feministas, Betty Friedan, autora do revolucionário Mística Feminina, sofreu violência doméstica por parte do marido durante vários anos, antes de se separar. E aí, ela foi menos feminista por causa disso? Seria ideal se, nas nossas vidas pessoais, todxs nós aplicássemos o que defendemos politicamente. Mas nem sempre é o caso. 
Você e seu marido tinham um problema sério, e vocês resolveram esse problema. Como alguém pode condenar vocês por isso? A praga da violência doméstica não se resolve com cadeia. A Lei Maria da Penha é fundamental para dar visibilidade a este problema social, e para dar voz às vítimas. Antes da lei, marido que batia na esposa tinha no máximo que pagar uma cesta básica. A impunidade reinava. Mas só a lei não reduziu a violência. É preciso mudar a cultura de que tudo bem bater (inclusive pra "educar" os filhos), de que em briga de marido e mulher ninguém mete a colher, de que é melhor estar mal acompanhada do que só. 
Será que preciso explicar que não estou encorajando que mulheres que sofrem violência dos seus parceiros continuem com eles? É, acho que preciso. Como feminista, meu conselho é: ao primeiro sinal que a pessoa é obcecada, controladora, ciumenta, pule fora. Como mulher, eu nunca aceitaria permanecer num relacionamento abusivo -- eu acho (porque às vezes leva tempo pra se perceber que está num relacionamento abusivo). 
Mas só punir alguém que é agressivo não vai necessariamente torná-lo menos agressivo. Tanto que grupos de discussão e de apoio psicológico para homens agressores muitas vezes são mais eficientes que um tempo na prisão. 
Seu marido cresceu com a ideia de que é normal reagir agressivamente quando algo foge do controle. Que é assim que conflitos são resolvidos. Que a violência é o único meio possível. E você desconstruiu tudo isso. Juntos, vocês construíram uma nova narrativa. Acho mais é que você deve se orgulhar de ter conseguido. 




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