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GUEST POST: LUTA E AGRESSÃO NA USP DE SÃO CARLOS
Alunos da USP de São Carlos agridem manifestante feminista
Ano passado, na Faculdade de Direito da USP de Ribeirão Preto, os trotes foram notícia. Um grupo de calouras foi proibido de sair da "Festa de Coroação" por não querer participar da "Bixete pega o disquete", em que tem de se abaixar. As calouras também devem prestar um juramento de que serão apenas dos veteranos. O juramento começa com "Eu, bixete vagabunda..."
Dezenas de alunos e professores assinaram um comunicado contra a violência moral daquele trote. Agora para este ano, começando amanhã, a ADUSP e coletivos estudantis organizaram palestras sobre trotes culturais e políticas de cotas. Eu me sinto muito honrada por ter sido convidada a ser uma das palestrantes. Estarei lá na terça, às 19 horas, num evento aberto ao público. No meio da semana recebi um vídeo que mostra um pouco o início de um confronto na USP de São Carlos. E anteontem o ocorrido virou notícia nos principais jornais do país: um coletivo feminista esteve no campus para protestar pacificamente contra o Miss Bixete. As manifestantes foram agredidas verbalmente por um bando de misóginos. Eu pedi para que o coletivo falasse sobre o que aconteceu. Publico aqui, com exclusividade, o relato assinado pela Frente Feminista de São Carlos e Grupo de Mulheres CAASO e Federal. Estou indignada, e claro que falarei disso na palestra de terça. Meus parabéns a quem protestou, e meu repúdio a quem insiste em fazer de uma universidade pública sua sala de estar de preconceitos.
É muito comum pensarmos que a universidade é um ambiente esclarecido, com espaço para a discussão de diferentes visões de mundo. E sim, esses espaços existem, mas à custa de muita luta diária de pequenos grupos resistentes.
Eventos como o “Miss Bixete” deixam claro que repensar a ordem social não é prioridade para muitos que compõe a dita “elite intelectual” do país. O Miss Bixete é uma (péssima) tradição de cerca de quinze anos que acontece na semana de recepção dos calouros da unidade da USP na cidade de São Carlos, interior de SP. Sabemos que esse evento não é uma exclusividade da USP São Carlos, e que ocorre em várias outras instituições. Durante essa semana são realizadas diversas atividades de “recepção” e a terça-feira é marcada historicamente pela realização da “apelidação” e do tal concurso de miss. Na última terça, dia 26, a tradição foi honrada.Para a realização do Miss Bixete, uma passarela e uma estrutura de som são montadas no interior do Centro Acadêmico Armando Salles de Oliveira (CAASO), espaço de convivência sempre aberto, que abriga o Restaurante Universitário, banheiros, lanchonete e papelaria. Entretanto, o evento não é organizado pela diretoria do CAASO que, aliás, posiciona-se contrária à sua realização, tendo inclusive integrado uma atividade paralela, uma gincana de integração, em conjunto com várias Secretarias Acadêmicas.O Miss Bixete é organizado pelo GAP – Grupo de Apoio à Putaria, e as calouras recém-chegadas, após o trote da apelidação, são convidadas a participar do desfile. Algumas veteranas sobem nas passarelas para incentivar as calouras, assim como é comum contratarem profissionais do sexo também para incentivá-las. O ambiente é indescritivelmente opressor, só estando lá para sentir o clima de "Queremos carne nova!", bem à la homem das cavernas mesmo. Interessante notar como os próprios rapazes não se dão conta de que todo aquele contexto reduz a eles mesmos, que se comportam como animais sedentos e irracionais.Um dos “argumentos” mais comuns dos defensores do Miss Bixete é que nenhuma menina é obrigada a participar. E, de fato, ninguém arrasta, puxa cabelos ou aponta armas carregadas para as calouras. Mas a obrigação se dá apenas fisicamente? Acreditamos que não. A caloura, em inegável situação vulnerável (assim como todos os calouros, mas com a particularidade da opressão por gênero), sofrerá a pressão psicológica e social de centenas de pessoas que compõem o grupo do qual ela fará parte e pelo qual ela quer ser aceita. Não é difícil encontrar relatos de calouros e calouras que, para serem aceitos e não serem taxados como anti-sociais e chatos, se submetem a situações que vão contra sua própria vontade. É isso que a intervenção organizada pelo Coletivo de Mulheres do CAASO/UFSCar, em conjunto com a Frente Feminista de São Carlos, da qual o Coletivo faz parte, quis impedir. Assim, algumas meninas do coletivo se posicionaram ao lado da passarela, explicando para as calouras que elas não precisavam fazer o que não quisessem e oferecendo segurança para que elas saíssem de lá. O Coletivo de Mulheres do Caaso e Federal surgiu da ideia de contrapor o machismo no meio universitário, entre eles o Miss Bixete, e hoje é um grupo de mulheres que realiza formações, debates e intervenções que contribuam para a transformação dessa realidade opressora e exploradora. O coletivo foi formado em 2007 e integra a Marcha Mundial de Mulheres desde 2012. Jamais quisemos julgar ou impedir as meninas que queriam participar do evento. Aliás, o julgamento vem dos próprios entusiastas, que não hesitam em taxá-las de vagabundas. A liberdade sexual feminina, nesse contexto, só tem utilidade quando convém ao interesse masculino.Paralelamente ao Miss Bixete, do lado de fora do CAASO, outrxs manifestantes realizavam uma batucada, com algumas pausas para falas e intervenções cênicas. Cantávamos para que todos e todas soubessem que ali existe quem não concorda com a reprodução do machismo e com a objetivação da mulher. Intervenções semelhantes são organizadas desde 2005, mas, neste ano, foi composta por cerca de 50 manifestantes, número maior que nos anos anteriores.Alguns estudantes ficaram sentados, apenas nos assistindo. Algumas calouras disseram sentir-se aliviadas por ver ali quem não concordasse com o evento. Já outrxs estudantes dançavam debochando de nossas músicas, cantavam com ironia nossas letras, passavam por entre nós distribuindo panfletos que diziam: “50 golpes de Cinta: a cura para o fogo no rabo dessa mulherada mal comida", sob a justificativa mais velha e batida do “é só uma piada”. Como resposta a nossa faixa que continha os dizeres "Somos mulheres, não bonecas infláveis, temos ideias, não somos manipuláveis", alguns simularam sexo e violência com uma boneca inflável. Chegaram a incentivar que um cachorro a mordesse.Mas continuávamos cantando, continuávamos sorrindo. Ao passar do tempo o repúdio a nossa manifestação tornou-se mais intenso. Nossas faixas foram rasgadas e vestidas por alguns rapazes; alguns tentaram agarrar muitas das manifestantes, outros mostravam a bunda e, em certo momento, o pênis, tendo em vista a correção desse “bando de viados e sapatões”. Quando o Miss Bixete terminou, aqueles que estavam dentro do CAASO, assistindo ao evento, saíram para onde estávamos e se somaram aos demais. Eram muitas pessoas nos cercando, gritando, gesticulando, jogando cerveja. Em certo momento ouvimos uma bomba/rojão, vimos fumaça. Foi ali perto, mas não atingiu ninguém. Começamos a ir embora ao som de “Feminista, vai tomar no cu!”. Uma segunda bomba estourou, um grupo de rapazes cobrindo os rostos com suas camisetas nos seguiu e ameaçou com um pedaço de madeira.O evento e a intervenção tomaram proporções que não imaginávamos, afinal, ele ocorre, intocável, há vários anos. Identificamos que por parte da mídia há certo interesse sensacionalista nos estudantes que ficaram pelados, mas esse não é o ponto mais crítico. Acreditamos que a nudez em si não necessariamente tem que ser um problema ou um ato agressivo. O problema, neste caso, foi toda a violência envolta na ação de mostrar o pênis, pois o fizeram dizendo que isso seria para nos mostrar "o que é bom", o fizeram nos xingando, ao mesmo tempo que seus amigos tentavam nos agarrar logo depois de terem distribuído os panfletos dos “50 golpes de cinta”, e enquanto outros deles batiam e simulavam estupro com uma boneca inflável. Nossa revolta é pelo caráter extremamente machista e violento do evento, somado ao fato de termos nosso direito de protestar violado, de termos sido agredidxs de diversas formas, tanto através de palavras quanto de insinuações. Nossa revolta é pelo aspecto misógino do evento e das pessoas que participam dele. As pessoas que tiraram a roupa foram só mais umas das que nos agrediram e apenas confirmaram a denúncia que trazíamos em forma de manifestação.Estando em São Carlos e fazendo parte das universidades (USP e UFSCar), estamos acompanhando como a própria comunidade acadêmica reage ao ocorrido. Recebemos muito apoio e, claro, muitas críticas. As críticas infundadas de sempre, repetidas à exaustão: “nenhuma caloura é obrigada a participar, estavam apenas brincando, as mulheres também ficam nuas em protesto, estão exagerando e fazendo uma tempestade em copo d’água” etc. Mas, apesar disso, todo mundo está falando sobre feminismo! E, tão perto do Dia Internacional de Luta das Mulheres, estamos em debate. Precisamos de muita energia para continuar desconstruindo as ideias infundadas e explicando quais são as nossas reais intenções com a manifestação realizada. Dando continuidade às ações da Frente Feminista de São Carlos, criada em 2011 com o objetivo inicial de unir diversas pessoas, partidos, entidades e coletivos da cidade para a organização da Marcha das Vadias, e, posteriormente, de manter esta unidade para construir outras ações visando a luta pela igualdade de gênero, realizaremos no próximo dia 7 uma marcha em referência ao Dia Internacional de Luta da Mulher (8 de março), com concentração na Praça Santa Cruz, às 16h30. Esperamos a presença de todxs. Queremos continuar nossa luta contra o machismo e a objetificação da mulher! Queremos continuar nos apropriando dos espaços da universidade e da cidade, ampliando o debate a todxs. Queremos -- e iremos -- continuar lutando pela nossa liberdade e pela igualdade de direitos.Enquanto estudantes machistas distribuíam folhetos com reprodução desta imagem tirada de uma página de ódio na internet...
...este é o material que as feministas distribuem. Dá pra entender a diferença? Qual tem lugar numa universidade?UPDATE: Airton, um dos autores das imagens, dá sua opinião sobre o que aconteceu.
Um dos organizadores do Miss Bixete soltou esta pérola: "Se fosse minha namorada, não deixaria desfilar".Leitoras denunciam trotes do Poli USP: além do famigerado Miss Bixete, tem caloura lavando carro com camiseta branca molhada, e gravação de vídeos inspirados em "dick in a box" e "cumshot surprise". Enquanto isso, aquele trote da Medicina da USP que resultou no afogamento e morte de um calouro está prestes a completar 14 anos. Sem que ninguém tenha sido responsabilizado.
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