GUEST POST: A PRIMEIRA VEZ FOI COM UM ESTUPRADOR
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GUEST POST: A PRIMEIRA VEZ FOI COM UM ESTUPRADOR


A S. me enviou este relato terrível, terrível. Não sei nem o que dizer, além de que o sujeito que a estuprou é um estuprador em série (alguma dúvida que ele fez isso outras vezes?), e creio que ele sabe disso. Devemos lutar e denunciar sempre. O fato de toda sobrevivente de estupro sentir-se culpada diz muito sobre a educação que recebemos e a cultura em que vivemos.

Saúdo você com alegria, mas venho, como outras, relatar mais um triste caso de estupro. O meu.
O ano é 1990.
Sou bem nascida, bem criada, tida como uma moça bem mais bonita que a média.
Tinha 18 anos e viajei de férias para a cidade onde moram meus primos.
Cheguei lá, me senti livre de todas as amarras que me prendiam aqui na metrópole. Livre dos olhares censores dos meus pais. Passando férias apenas com primos tão jovens quanto eu, achei que poderia fazer qualquer coisa.
Num domingo, fomos ao clube. De longe, eu o vi. Era lindo, loiro de olhos verdes. Tinha 24 anos e eu, como já disse, 18. Trocamos olhares e eu fiquei a fim dele. De cara.
Mergulhei na piscina e ele me seguiu. Quando se ergueu debaixo d’água, veio direto me beijar. Ficamos naquele domingo e eu gostei. Combinamos de nos ver no sábado seguinte.
Chegando o sábado, nos encontramos às 11 horas, numa dessas barracas de praia. Ele me disse que morava ali perto e que era mergulhador. Me convenceu a ir à casa dele ver umas fotos de mergulho. Lá chegando, percebi que ele tentou esconder minha chegada da avó e da empregada. Fomos ao quarto dele.
Eu, repito, queria beijá-lo, ficar com ele, viver um amor de verão e, ingenuamente, ver as tais fotos. Mas, como eu era virgem, não vislumbrei nenhuma possibilidade de sexo. Sexo para mim dependeria de um relacionamento estável com alguém que eu confiasse, o que não era o caso.
De repente, enquanto me mostrava coisas pessoais, como cds, livros ou sei lá mais o quê, ele saiu do quarto. Voltou logo em seguida, trancou a porta do quarto e se transformou. Aumentou o som. Me arrastou até a cama. Disse para eu ficar quieta e não fazer barulho.
Tirou minha canga e meu biquíni à força, tampou minha boca com as mãos para eu não gritar. Subiu em cima de mim e me violentou até ficar satisfeito, sem qualquer cuidado com a minha dor. Eu tive medo. Não gritei, fiquei estática. Não dei um pio. O rapaz não recuou, e eu tenho certeza de que percebeu que eu não estava gostando.
Depois, me obrigou a tomar um banho, escondida da família dele. Saímos andando e voltamos a pé à praia.
Ele fez um discurso de arrependimento. Afirmou que uma moça que entra no quarto de um cara quer sexo. Que ele só "agiu como homem”, porque “achou que eu queria”. Também afirmou que só acreditou que eu era mesmo virgem quando percebeu o sangramento.
Eu fiquei calada, até meus primos retornarem para me buscar, às 14 horas, horário combinado.
No dia seguinte, por puro azar, eu o encontrei em outra praia. Ele já estava com outra moça e passou a tarde com ela, se amassando na minha frente, o que me fez sentir um inimaginável nojo de mim mesma.
Na época, eu tinha uma paquera onde morava. Quando voltei, contei a ele, que disse que não queria mais saber de mim, porque eu não era mais virgem. Desesperada e tomada pela culpa, acreditando que tudo não passou de um erro meu, acabei fazendo sexo com esse cara, como se fosse um pedido de perdão. Uma obrigação, porque afinal, nas palavras dele: “Regulei tanto e acabei perdendo minha virgindade a troco de banana”. 
Ainda era adolescente e, perdida, comentei com algumas pessoas. Umas tentaram minimizar a gravidade do caso, outras passaram a me rotular como  problemática. Hoje as pessoas que convivem comigo não fazem ideia de que passei por isso.
A lembrança desse estupro devastou minha juventude, minha fé na humanidade, minha alegria de viver. De verdade. Chorei compulsivamente. Me desvalorizei a vida inteira. Sei que eu teria voado voos muito mais altos se isso não tivesse acontecido.
Nenhuma palavra descreve a devastação que um estupro causa na autoestima de uma pessoa. Só eu e as que passaram por isso podem dizer. Você se arrasta por meses, as lembranças voltam, você tem pesadelos, sentimentos de autopunição e vingança. Você até tenta amar o homem que te estuprou para purgar a dor. Imagina um romance reparatório das suas lembranças. Tudo o que te acontece de ruim imediatamente remete àquelas imagens gravadas em sua mente. Você fica frágil, vulnerável, hiper sensível às palavras dos outros.
A sensação é de andar nua na rua, com uma multidão em volta de você, que não te enxerga, enquanto você está sangrando.
Passei anos me julgando, analisando se eu de fato dei motivos, se eu não estava excitada e o deixei fazer o que eu já queria há muito tempo. Me convenci que não. Eu tinha o direito de não querer, nem que fosse no último segundo, e ele tinha o dever de não me obrigar.
Dois anos depois, vivi uma outra tentativa de estupro, em outras circunstâncias totalmente diferentes. Esse estupro não se concretizou exatamente porque eu, ainda que estivesse um pouco bêbada, me recusei a passar por todo o processo de novo. Dessa vez lutei, mordi, gritei. Experiente afinal, pensei: “Ele só vai conseguir se me matar!”
Hoje não lembro com exatidão do pavor do futuro que senti naquele dia de 1990. 
Tenho 41 anos. Me casei, me separei e tenho um filho pequeno. Afirmo que gosto de sexo. Porém, tenho problemas incríveis para me relacionar e confiar no outro. E ainda choro de pena de mim quando, como agora, enquanto digito este email, me lembro de que eu era apenas uma menina.
Deixo o meu relato a você, torcendo para que, de alguma forma, ele possa ajudar outras mulheres a não sentirem a dor que eu senti. E ainda sinto.




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