GUEST POST: O QUE FOI SOFRIDO É QUE MINHA ESCOLHA NÃO PODIA SER FEITA
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GUEST POST: O QUE FOI SOFRIDO É QUE MINHA ESCOLHA NÃO PODIA SER FEITA


Ecografia da H, embrião de 6 semanas. Bem diferente da criança imaginada pelos pró-vida

A H. me enviou este relato totalmente lúcido.

Li este texto e também os comentários... e, se há um assunto que ao mesmo tempo me IRRITA muitíssimo e do qual simpatizo com toda e qualquer mulher colocada frente a ele, é o aborto. Tanto quanto violência e abuso sexual. E o motivo é bem simples: fiz um aborto.
Por motivos óbvios, não posso publicar sobre isso em meu próprio blog (vai que aparece algum pró-vida que decide me processar, me denunciar, sei lá... não tenho nenhum medo do que pensariam se soubessem que fiz um aborto, e sim de ter que gastar dinheiro com advogado).
Enfim, eu sou a autora desse texto. Foi escrito pouco depois do aborto. Hoje teria milhões de coisas a acrescentar ao texto -– não por mim, mas por outras mulheres que passam por isso. Te envio em anexo foto da ecografia (por motivos óbvios apaguei meu nome dela). Então lá vai.
Nunca fui a favor do aborto -– apenas sempre defendi sua descriminalização e sua legalização, para que cada pessoa possa escolher o que achar melhor para sua vida. As consequências dessa escolha, seja ela qual for, não recairão sobre ninguém além da pessoa que a fez. Por isso, sempre acreditei no direito individual à escolha. Por ser verdadeiramente a favor da vida, sempre defendi que as mulheres que queiram optar pelo aborto possam fazer isso de forma segura, afinal é um procedimento relativamente simples e que pode evitar a morte -– física ou emocional -– de muitas mulheres.
Falo em emocional pois, para muitas que são obrigadas e constrangidas a levar uma gravidez indesejada até o fim, há um dano emocional gravíssimo, mais mortal do que ter acesso a um aborto seguro, lhe garanto com conhecimento de causa. A maternidade não é para todas. Estar grávida não significa felicidade instantânea para todas e pode, ao contrário, significar depressão, ansiedade, sofrimento. Sei disso, pois estive grávida e fiz um aborto. Não me arrependo, não sinto nenhuma culpa e, nas mesmas circunstâncias, se pudesse voltar no tempo, faria a mesma escolha novamente.
Minha escolha não gerou em mim NENHUM sofrimento. O que foi sofrido é que ela não podia ser feita. O que foi sofrido foram as duas semanas que passei em busca de clínicas ou de Cytotec. O que foi sofrido foram as cólicas insuportáveis causadas pelo Cytotec que poderiam ter sido evitadas, caso eu tivesse acesso a um procedimento simples que dura menos do que 20 minutos (acompanhei uma amiga, no passado, a uma clínica que, infelizmente, havia sido fechada quando precisei dela. e digo: não durou nem 20 minutos e minha amiga saiu de lá bem, andando, e hoje está grávida de seu terceiro filho, desejado, fruto de um casamento feliz). 
O que foi sofrido foram os dias posteriores ao aborto, tomando a medicação (Methergin) para acabar de limpar o útero. Não tive NENHUM sofrimento além desses, tenho absoluta certeza sobre minha escolha e, novamente, não tenho nenhuma culpa ou arrependimento.
Essas coisas precisam ser ditas. Optar por essa escolha não é, necessariamente, difícil.
Descobri a gravidez com 6 semanas de gestação. Fiz uma ecografia e o exame me deu calafrios mesmo: não com as consequências que ter um filho geraria na minha vida, sim com a sensação de ter um parasita dentro de mim e de como faria para me livrar daquilo. Senti nojo ao escutar os batimentos cardíacos de “96 bpm” daquele embrião de “0,3 cm de comprimento cabeça-nádega” dentro do saco gestacional que media “0,9 cm”. 
Todas estas informações entre aspas estão no laudo da ecografia que guardo até hoje, juntamente com todos os exames médicos que já fiz na vida. As coloco aqui, pois me senti pessoalmente ofendida pelos fetinhos distribuídos na Jornada Mundial da Juventude, no ano passado, e me sinto pessoalmente ofendida sempre que algum pró-vida compara um embrião a um feto com formato de bebezinho.
Crescimento fetal de 8 a 40 semanas. A maioria dos abortos ocorre até a 14a semana
Um embrião sem formato humano tem TRÊS milímetros de comprimento às 6 semanas de gravidez. 
Um embrião sem forma humana é menor do que um grão de feijão às 8 semanas de gravidez, quando fiz o aborto. E os pró-vida distribuem mini bebezinhos para as pessoas? Divulgam imagens de bebês e fetos formados quando se posicionam contra o aborto? Por que não divulgam imagens reais e não distribuem grãos de arroz para representar os fetinhos? Outra coisa: por que falam em mulheres que se sentiram culpadas após fazer o aborto, e ignoram que muitas não têm nenhum peso na consciência com sua escolha?
Como os pró-vida veem (e divulgam) um embrião/feto
Ao contrário de muitos pró-vida que condenam a mim e a outras mulheres, eu não preciso mentir, não preciso usar falsos argumentos, falsos testemunhos. É a minha história e meu único sofrimento deve-se a não ter podido recorrer a um procedimento rápido, indolor e com baixos riscos se feito com segurança. Emocionalmente, eu sofreria é se precisasse levar a gravidez até o fim. Fisicamente, também. 
Em 8 semanas de gravidez, meu corpo mudou muito, meus hormônios enlouqueceram, emagreci muito pois enjoava até com cheiros (e estes enjoos foram o motivo que me levaram ao médico e me fizeram descobrir a gravidez). Foi a TPM mais grave que tive até hoje e foi ininterrupta, só terminando com o término da gravidez. E gente que não passa por isso acha que é fácil ficar 9 meses grávida sem desejar um filho? Meu sofrimento foi passar duas semanas à procura de resolver meu problema –- nunca desejei e continuo não desejando ter filhos.
Ao contrário de muitos pró-vida que me condenam, eu nunca descuidei de proteger-me e, por tal motivo, nunca peguei nenhuma DST, nunca havia engravidado. Só que a única maneira 100% segura de não engravidar é não fazer sexo, e aconteceu. E só assim eu soube como eu agiria se estivesse nessa situação. Hoje, ao olhar para trás, sinto-me uma privilegiada por ter tido o apoio pessoas fundamentais para que nada grave acontecesse com a escolha que fiz. O pai do embrião entendeu que as consequências de qualquer escolha seriam vivenciadas, física e emocionalmente, por mim, e, como tal, apoiou minha opção. Um de meus melhores amigos, médico, ginecologista e obstetra, especialista em reprodução humana, contra o aborto, me deu todas as dicas e instruções que eu precisava para não ter nenhum problema físico em minha opção.
Esse médico, ao qual respeito mais ainda hoje, por ter respeitado e dado todo apoio à minha opção mesmo que ela fosse contra o que ele acredita, é uma pessoa verdadeiramente pró-vida. Quando mostrei a ecografia a ele, escutei com todas as letras “Sou contra” e “Não posso te receitar nada porque posso ter problemas caso descubram”. Só que também escutei “Mas se essa for sua escolha...”. 
Entre outras coisas: indicou que eu tomasse Methergin no dia anterior e até 12 horas antes do Cytotec, para evitar hemorragias muito graves. Indicou que eu não tomasse o Cytotec via oral e que o despedaçasse antes de inserir os comprimidos no útero, para que houvesse absorção mais rápida e, caso precisasse ser internada, ninguém fosse capaz de achar os comprimidos inteiros. Ele foi me visitar quando eu estava sangrando e com muita dor, para ver se estava tudo bem comigo. Indicou quando eu precisava ir ao hospital realizar ecografia para ver se tudo tinha sido expelido -– e ao hospital no qual ele dá plantão.
Esse médico, contrário ao aborto, respeitou minha escolha e fez o que estava ao seu alcance para que eu não tivesse nenhuma sequela física. Ainda me disse para, se possível, chegar ao hospital chorando, na companhia do pai do embrião, para que ninguém desconfiasse que não foi espontâneo. Ele, médico contrário ao aborto, afirmou que já viu muita gente ser maltratada porque “acharam” que era aborto provocado. Acreditei nele, pois tenho uma grande amiga que abortou, espontaneamente, na primeira gravidez. Essa mulher teve depressão grave pós-aborto, pois desejava muito o filho, e foi maltratada no hospital quando estava abortando, largada esperando atendimento.
Me sinto pessoalmente muito ofendida quando vejo um pró-vidismo falso por aí, baseado em religião, que me desrespeita e desrespeita todas as mulheres que engravidam mas não querem levar a gestação até o fim. Eu tive sorte, pessoas ótimas para me apoiar, e pró-vidismo verdadeiro ao meu lado. Eu tive dinheiro para comprar medicamentos, tenho plano de saúde para, bem ou mal, ter atendimento adequado. Eu fui bem tratada no hospital porque acreditaram que era espontâneo. 
Quantas por aí não têm nada disso?




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