GUEST POST: ABUSO, CULPA, E RESPOSTA ERRADA DE MÃE
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GUEST POST: ABUSO, CULPA, E RESPOSTA ERRADA DE MÃE


Este relato da L. é tão terrível quanto comum. Acontece direto. Sua reação é a mesma da maior parte das vítimas de abuso.
Aliás, recomendo muito, tanto para a L. como para todxs xs leitorxs, que leiam Eu Sei Por que o Pássaro Canta na Gaiola, de Maya Angelou. É um clássico da literatura americana, com muita justiça. O estupro narrado pela protagonista (e pela escritora, porque trata-se também de uma autobiografia) quando ela é criança é apenas uma breve parte do romance, mas é impressionante como toda a culpa e impotência e medo de machucar outras pessoas que a L. conta estão lá, num livro sobre uma menina negra nos EUA dos anos 1930. Parece que estupro e o sentimento de culpa das vítimas sobre o abuso são temas universais.
 
Meu nome é L. e tenho 20 anos. Levei muito tempo para conseguir escrever o que vou dizer aqui hoje, mas só agora compreendo que é necessário exteriorizar o que nos agoniza, e essa é uma agonia que já dura 14 anos. 
Não acredito que possam existir profissionais da saúde que possam arrancar de dentro de mim o que eu sinto, e muito menos penso que eu deva ser curada de algo, para então poder ter uma vida “normal”. Um abuso não torna ninguém excepcional ou digna de pena (é, a vida continua, tanto para a vítima quanto para quem abusou), e talvez seja por isso que só conversei sobre esse assunto com as poucas pessoas que eu sabia que não iriam pensar “Nossa, coitadinha”.
Quando eu tinha de 5 para 6 anos, me mudei para uma nova casa e logo fiz duas amigas. Sempre brincávamos juntas, o dia inteiro. E não me lembro bem como, mas comecei a frequentar junto com elas a casa do padrinho de uma delas. Ele também era marido de uma conhecida da minha mãe, que era secretária da escola em que eu estudava.  
Não me lembro quando foi que comecei a frequentar sozinha a casa desse homem, que sempre distribuía brinquedos entre as crianças -- sua casa era uma verdadeira brinquedoteca. Eu ia lá todas as manhãs antes de ir para a escola, que era o horário em que eu ficava sozinha com a bábá, que sempre me deixava ir lá, ao contrário da minha mãe, que me dizia que eu não deveria ficar sozinha com nenhum homem estranho. Enfim, a memória falha e não sei como e nem quando ele começou a tirar seu pênis de dentro da calça e começar a esfregá-lo toda vez que eu estava lá.
Aquilo me incomodava e por alguma razão eu sabia que aquilo era errado, que eu não deveria estar ali, mas todos os dias eu voltava para brincar com os brinquedos e também porque eu tinha curiosidade. De certa forma, na minha cabeça de criança, me sentia desejada por ele. A coisa começou a piorar gradualmente, ele me agarrava todos os dias, me empurrava na cama ou na rede, eu pedia para ele largar e ele não largava, meu maior medo era a esposa dele chegar e contar para todos as coisas vergonhosas que eu estava fazendo com o marido dela, de eu ser ridicularizada e humilhada por todas as pessoas do meu convívio.
A memória falha e as imagens são vagas, lembro de ele me obrigar a masturbá-lo e colocar a boca em seu pênis, além de tocar meu corpo e minha vagina, não lembro se em algum momento aconteceu mais alguma coisa. Não sei direito quando foi que eu parei de ir lá. Nunca contei para minha mãe ou meu pai, pois eu sabia que aquilo era errado, sabia que aquele homem estava errado, mas também me sentia tão errada quanto ele. Eu ficava com medo do meu pai tomar conhecimento daquilo tudo e em um surto matar esse homem, tinha medo do meu pai ir para a cadeia por minha causa, essa imagem não saía da minha cabeça.
Depois que tudo isso acabou, eu me sentia mais feliz e disposta a brincar, me sentia “normal”, e minha cabeça meio que apagou tudo o que havia ocorrido. Mas um dia estava brincando na rua quando vi uma das meninas com quem eu brincava, no quintal da casa dele, me chamando, sorrindo e dando um tchauzinho. Ela parecia estar feliz brincando na casa dele, como eu também parecia estar na época em que ocorreu o abuso. Meu coração de criança apertou na hora, eu ficava me perguntando se com ela também aconteciam as coisas que aconteceram comigo. Me senti impotente, me perguntava quantas meninas já haviam e ainda iriam passar por aquilo. Acho que nunca mais falei com ela, com vergonha de ser conivente com o que ela estava passando. Eu sentia que era, indiretamente, uma cúmplice dele.
Na adolescência eu me achava culpada de tudo o que tinha acontecido comigo, pois eu sempre voltava na casa dele, mesmo sabendo que era errado. Eu me sentia pervertida e na minha cabeça pensava que sexo só acontecia com dor e submissão. Quando entrei na faculdade, os horizontes se expandiram e eu pude entender que eu não tive culpa do que havia acontecido comigo, mas sempre me senti culpada por ter visto uma outra menina na mesma situação e não ter feito nada.
Ao perceber o meu sofrimento, minha namorada começou a me incentivar a compartilhar a minha história, e a história dessa menina, para que talvez assim eu sentisse menos culpa e talvez fosse menos julgada, justamente pela “liberdade” e anonimato da internet. 
A outra experiência que tive ao compartilhar a história foi lamentável: ao contar para minha mãe, ao invés de ela se indignar, ela pensou que havia achado a causa para a minha homossexualidade, e o único retorno que tive da parte dela foi para que eu me tratasse. Não para que eu me sentisse bem, mas sim para curar o que ela chama de “homossexualismo”.
Eu não espero que compartilhar a minha história vá mudar alguma coisa de imediato, além de me trazer uma paz inexplicável que estou sentindo enquanto escrevo isso. É uma sensação de alívio enorme que não consigo nem descrever, mas espero mesmo que as pessoas compartilhem suas histórias e que não sintam culpa de nada.




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