MISSÃO REPUBLICANA: CONTROLAR O CORPO DAS MULHERES
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MISSÃO REPUBLICANA: CONTROLAR O CORPO DAS MULHERES


"Acorde, América! O Partido Republicano declarou guerra às mulheres" 

A gente não sabe bem como é isso, porque vivemos num país com uma das legislações mais restritivas do mundo em relação ao aborto. Foi só em abril deste ano que o Supremo decidiu que, hum, mulheres grávidas de fetos anencéfalos não precisam levar a gravidez até o fim, se assim o desejarem. Sabe, fetos anencéfalos. Que não têm parte da cabeça, não têm cérebro. Que morrem sempre. Que não costumam viver nem 24 horas após o parto.
Até o quê, anteontem?, o Brasil forçava todas as gestantes a aguentarem nove meses de uma gravidez excruciante, dolorosa, emocionalmente devastadora (a gestante sabe que dará luz a um bebê morto, mas o pessoal que pergunta “Pra quando é?” não sabe), cujo parto virava um freak show para todo mundo no hospital assistir. E isso tudo por quê? Porque nosso estado não é laico porcaria nenhuma. Porque o pessoal que acha que amor de mãe resolve tudo e faz milagres tem voz em decisões sobre o corpo de todas as mulheres.
Mas vamos falar de países onde o aborto é legalizado, e já faz um tempinho. Como nos EUA, por exemplo. Se aqui no Brasil a luta dos conservadores é pra manter as coisas exatamente como estão (e talvez andar pra trás, proibindo o aborto nas únicas instâncias em que ele é permitido, casos de estupro e risco de vida pra gestante), nos EUA eles batalham pra tirar todos os direitos reprodutivos das mulheres. Em alguns estados mais retrógrados, esses reaças vêm sendo bem sucedidos. Com bombas em clínicas de aborto, ameaças, assassinatos de médicos que fazem aborto, essa gente faz com que um direito legal seja permitido na teoria, mas não na prática. Quantos médicos vão querer realizar abortos se isso representa um risco a sua vida?
Além do mais, os republicanos, um dos dois partidos que dominam o cenário polítco nos EUA, fizeram de sua bandeira o controle total dos direitos reprodutivos das mulheres. Mais à extrema direita do que nunca, os republicanos realmente têm radicalizado no seu ataque à metade da população. Há inúmeros exemplos. Em fevereiro Sandra Fluke, uma estudante de Direito, pediu que os planos de saúde incluíssem pílulas anticoncepcionais. Por essa simples exigência, o radialista-reaça Rush Limbaugh (o inventor do termo feminazi), um anti-Democrata convicto, a chamou de vagabunda, prostituta e promíscua (Limbaugh aparentemente não faz muita ideia de como funciona um anticoncepcional. Ele deve achar que a pessoa tem que tomar uma pílula a cada vez que transar, ou que faz alguma diferença se ela tiver sexo com um ou cem parceiros). Felizmente, o ataque ferrenho do radialista a uma mera universitária fez com que ele perdesse um bando de patrocinadores.
Reaças não conseguem disfarçar seu ódio às mulheres. Republicanos obviamente não querem construir creches (eles preferem que as mulheres sigam seu “papel natural” e fiquem em casa cuidando dos filhos), porque são a favor do Estado mínimo. Dinheiro do governo só pra guerras, essas sim necessárias para manter a civilização. Mas pra esses detalhes como saúde pública, escolas, creches... bah, isso é coisa de socialista! (Já falei que é chocante que os EUA sejam o único país rico do mundo a ser contra saúde pública, contra a saúde como um direito do cidadão).
E, ao mesmo tempo que querem proibir o aborto e cortar todo tipo de investimento em campanhas de planejamento familiar, eles apoiam um tipo de educação que comprovadamente não funciona: abstinência. Sai a educação sexual nas escolas, entra a pregação de “mantenha-se virgem até casar”. Que não deu certo nem pra filha adolescente de Sarah Palin, candidata a vice pelos republicanos na eleição de 2008. Esta entrevista de Rick Perry (que foi um dos pré-candidatos republicanos à presidência) é incrível. O entrevistador pergunta a Perry, governador do Texas, por que insistir na abstinência, se isso não funciona (o Texas têm o terceiro maior índice de adolescentes grávidas nos EUA). E tudo que Perry consegue balbuciar é “Abstinência funciona...”.
A má fé e a ignorância dos republicanos é tão séria que levou o Huffington Post a fazer um compêndio das “nove mentiras que republicanos contam sobre o corpo das mulheres”: 1) pílulas anticoncepcionais pra mulheres causam câncer de próstata; 2) aborto causa câncer de mama; 3) controle anticoncepcional faz as mulheres terem mais desejo de transar; 4) a indústria do aborto vende abortos; 5) mulheres não engravidam de estupro; 6) testes pré-natais levam a abortos; 7) a vacina HPV causa retardamento mental; 8) Plano B causa aborto; 9) está tudo bem com seu feto (uma lei passada no Arizona protege médicos de serem processados se omitirem informações sobre a gravidez que podem levar a gestante a querer um aborto).
Os conservadores americanos tentam a todo custo dificultar a vida da mulher que buscar um aborto. Uma lei quer que a gestante seja obrigada a fazer um ultrassom antes de optar pelo aborto -- que já é legalizado. Os reaças pensam que, se a mulher for forçada a ver que há algumas células dentro de seu ventre, ela desistirá de abortar.
O senador republicano que tentou passar essa lei não teve vida fácil. Centenas de mulheres encheram sua página no Facebook com mensagens irônicas como esta: “Olá, senador! Só queria que vc soubesse, como vc está tão preocupado com a saúde das mulheres, que minha menstruação começou hoje! A cor parece boa, o fluxo não está muito pesado. As cólicas estão suportáveis, mas não se preocupe –- eu te aviso se isso mudar. Mais uma vez, obrigada por se importar tanto com as mulheres e nossos corpos!”.
Vários reaças pensam que as mulheres que exigem um aborto por engravidarem depois de um estupro estão mentindo. Claro, faz parte: pros conservadores, a mulher é sempre suspeita. Ela é apenas receptáculo pra um ser muito mais importante, que é o feto (atenção: ele só é importante até nascer. Depois, é cada um por si. Governo mínimo. Oportunidades iguais! Meritocracia sempre). Em março o deputado republicano Stephen Freind disse que as chances de uma mulher engravidar de um estupro são de “uma em milhões e milhões e milhões”. Isso porque, segundo o honorável, “a experiência traumática do estupro faz que a mulher secrete uma certa secreção que mata o esperma”.
Pois é, não só nós mulheres somos seres malignos querendo impedir (como disse um mascutroll aqui no blog) “o direito constitucional da paternidade” -– sim, a gente sabe que todos os caras em casos de gravidez não planejada estão loucos pra ser pais! -–, como a gente tem uma vagina maligna que, do alto do seu mistério, produz substâncias terríveis que matam o esperma!
Ontem foi o dia de um outro congressista republicano, Todd Akin, candidato ao Senado (e na frente nas pesquisas!), falar outra besteira escandalosa: “Pelo que eu entendo dos médicos, gravidez por estupro é muito rara. No caso de estupro legítimo, o corpo feminino tem maneiras de parar com todo o processo [de gravidez]. Mas vamos dizer que isso não funcionou ou algo assim: acho que tem que ter algum tipo de punição, mas a punição deve ser no estuprador, e não atacando a criança”. As estatísticas dizem outra coisa. Um estudo de 1996 aponta que mais de 32 mil casos de gravidez decorrente de estupro acontecem todo ano só nos EUA. Mas vai ver que não são estupros legítimos. (Aliás, o que é um estupro legítimo? É um que o patriarca decide que sim, houve estupro? Porque nos outros casos, como juram os machistóides, o que acontece é que a mulher se arrepende de ter transado?).
E se isso tudo não fosse suficiente pra demonstrar o verdadeiro atraso americano em relação às mulheres (podemos chamar de backlash), tem também a escolha do congressista Paul Ryan para ser vice-presidente de Mitt Romney. Ryan, católico (uma minoria nos EUA), é conhecido por ser contra o aborto em todas as situações, mesmo em casos de estupro e risco de vida da mulher.
Ainda que os democratas estejam longe de realizar uma boa gestão no governo dos EUA, diante da radicalização do discurso republicano, eles parecem muito melhores que a alternativa. Ao que tudo indica, as mulheres americanas estão cientes do que uma vitória republicana significaria para a autonomia dos seus corpos, e não vão permitir que esses dinossauros vençam.
Que o backlash americano sirva de lição pra gente. Aqui no Brasil, os políticos religiosos e reaças se inspiram nos republicanos e têm grande planos pra regulamentar cada vez mais os corpos femininos, sempre tão suspeitos e perigosos. No passarán!
Tradução: "Sou uma vadia. Eu voto. Assim como todo mundo com quem eu durmo. E vc vai ficar mais f*dido do que eu. Mantenha seu governo fora da minha vagina".

"Sempre pensei que cegonhas trouxessem bebês"

UPDATE: Poucos dias depois Todd Akin, candidato ao Senado, pediu desculpas pelas suas palavras. Pediu desculpas, lógico, porque tudo isso pegou tão mal que até o presidenciável republicano recomendou que Akin renunciasse a sua candidatura. Akin não renunciou, mas disse: "O estupro é um ato mau. Usei as palavras erradas da forma errada e por isso peço desculpas. O fato é que o estupro pode levar à gravidez. A verdade é que o estupro tem muitas vítimas. O erro que cometi foi nas palavras que eu disse, não no coração que eu tenho. Peço o perdão de vocês". 
O lado bom disso tudo foi ver que a absurda declaração de Akin sobre "estupro legítimo" causou tanta indignação. Sabe o que isso significa? Que, mesmo no meio de um backlash virulento, asneiras assim não passam em vão. Significa também que os mascus americanos, que se auto-intitulam MRA (Men's Rights Activists), e que são tão malucos quanto os daqui, têm dificuldades em divulgar suas mensagens de ódio em público. Uma de suas principais bandeiras é que a maior parte das acusações de estupro são falsas (ou seja, ilegítimas) e destroem a vida do pobre homem branco e hétero, a grande vítima dos tempos modernos. Agora seria a hora ideal para que mascus afirmassem que sempre disseram, e continuam dizendo, exatamente o que disse Akin. Receberiam o escárnio da sociedade.




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