O RELATO DA TAIA
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O RELATO DA TAIA


Na segunda-feira, já de madrugada, encontrei nos comentários do meu post sobre as reações machistas ao estupro em Joaçaba este relato da Taia. Eu o deletei e perguntei pra ela se podia colocá-lo como um guest post. Achei uma incrível coincidência, porque naquele dia eu mesma havia decidido contar a minha mais terrível história de horror (que publiquei no dia seguinte). Na terça, muitas de vocês compartilharam suas histórias. Acho isso muito importante porque, assim, mostramos que essas atrocidades fazem parte da vida de quase toda mulher. Não é lenda urbana. Não aconteceu apenas com a menina de Joaçaba porque ela bebeu demais. Acontece direto com mulher que não bebe, mulher que é virgem, mulher que tem vida sexual ativa, mulher que usa minissaia, mulher que se cobre dos pés à cabeça... É muita mulher pra pôr a culpa, hein? Esses relatos deixam claro que não, a culpa não é nossa. Nem é dos muitos homens que aparecem neste blog e que não apenas tratam as mulheres com dignidade, mas nos defenderiam, se pudessem, tenho certeza. Ao mesmo tempo, não creio que estejamos nos “fazendo de vítimas” ao contar nossas histórias. Fomos vítimas. Isso é inegável. Mas não somos mulheres vitimizadas. Superamos, ou estamos tentando superar, o sofrimento que nos foi infligido. Só o fato de contar uma história dessas já prova que somos fortes. Então vamos ao relato da Taia:

E aí coragem, cadê você? Eu ainda estou em dúvida se devia ou não contar uma "historinha", mas vou começar tentando...
Há quase 9 anos eu
estava esperando pelo início de uma reunião na casa de um amigo padre lá no RS. Cheguei antes das outras pessoas e por sei lá qual motivo a gente quis ver um material num computador. O computador estava no quarto do padre (bem pertinho da secretaria da paróquia onde estavam duas secretárias trabalhando) e a gente foi até lá. Só que eu não consegui entrar naquele quarto. Fiquei paralizada na entrada, angustiada, gelada, tagarelando sobre bobagens. Por sorte, naquele momento chegou mais gente para a reunião e a idéia de ver o material do computador foi deixada de lado. Mas ao voltar para casa ainda me incomodava a angústia que senti naquela situação. O padre era um celibatário convicto, meu amigo há anos e eu o amava, mas eu tive medo dele... e isso foi muito chocante. Naquele dia eu chorei (o que é raro pra mim) e passei horas me questionando do porquê da minha atitude e dos meus sentimentos. Só ali percebi o tamanho do trauma/medo acumulado por vários anos após ser violentada por um "amigo" em que eu confiava... Apesar do meu medo do padre ser ridículo (não estou falando de todos os padres, mas daquele específico), ele serviu para me fazer refletir. Mais de dez anos já haviam se passado e eu continuava com dificuldade de confiar nas pessoas/homens. E isso por causa de uma violência passada há muito tempo e por idiotice/ingenuidade minha. Mas o que tinha acontecido? Numa noite muito fria de junho no RS, um "amigo" estava indo comigo até o prédio onde eu morava, mas sob a alegação de estar com frio, ele me pediu um casaco emprestado. Não vi problema nisso. Ele subiu até o terceiro andar comigo e entrou no apartamento para pegar um casaco, mas as intenções dele para "se esquentar" eram outras. Ele me violentou, à força, e eu nem consegui entender o que estava acontecendo realmente. Até a última hora eu acreditava que podia fazer o cara parar, cair em si. Só depois d'ele ir embora é que consegui reagir, trancar a porta do apê e passar horas no chuveiro tentando lavar a alma. Não contei o que aconteceu para ninguém, pois eu sabia que eu é que seria considerada culpada... Pedir ajuda só iria aumentar a minha desilusão. O medo de uma gravidez também foi como viver um filme de terror. E o cara? O idiota/babaca não se conformou fácil com o fato de eu não querer mais amizade com ele nunca mais e chegou a sugerir ca-sa-men-to. Ou seja, se colocou como "o bonzinho da história". Acho que nunca entendeu que me violentou e que me fez entender o que queria dizer a palavra NOJO. Ainda por cima era advogado e eu estudante.
Aparentemente continuei com a minha vida apenas sendo mais cuidadosa ao escolher as amizades, mas na realidade estava destruída, sem confiar nem mais em mim mesma. E só anos depois, com aquele episódio na casa do padre, é que realmente percebi o quanto de pânico eu sentia... Só daí é que consegui começar a "curar" essa dor.
Hoje consigo ver a situação de forma mais clara, menos emocional e com
menos culpa, mas sei por experiência própria que ser violentada não é algo que pode ser remediado facilmente. Sei também que a sociedade não perdoa a mulher e vitimiza o homem. E, com a realidade de hoje, parece que eu devia estar feliz por ao menos não ter sido assasinada, por ter sobrevivido.
Não sei se contribuí com o diálogo deste blog, mas não quero mais me calar diante de tantas opiniões machistas. Mas, mesmo que pareça contraditório, continuo otimista com a humanidade. Os homens que me dão nojo hoje são bemmmm menos do que os que me dão a certeza de que vale a pena viver e conviver.

(Esta última imagem diz: "Acabe com o Estupro. Conte a alguém. 1 em cada 3 mulheres e 1 em cada 6 homens será violentado antes do seu aniversário de 18 anos". Aqui no Brasil, para qualquer situação de violência contra a mulher, disque 180. Este site lista todas as Delegacias da Mulher presentes em cada Estado. Denuncie sempre).




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