TODA MULHER TEM UMA HISTÓRIA DE HORROR PRA CONTAR
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TODA MULHER TEM UMA HISTÓRIA DE HORROR PRA CONTAR


Como hoje é Dia Internacional da Mulher e o que mais se ouve nesse dia é que, além do feminismo não ter mais razão de ser, as mulheres não precisam de um dia só pra elas, vale a pena refletir um tiquinho sobre os nossos direitos tão iguais. Não faz muito tempo que percebi, numa conversa informal com um grupo de moças, que todas haviam passado por no mínimo uma ocasião em suas vidas em que foram seriamente ameaçadas, espancadas, ou que conseguiram fugir de um estupro. Sério. Eram seis mulheres, de origens e idades distintas, e todas, sem exceção, tinham uma história de horror pra contar. Fiquei pensando nas minhas amigas e conhecidas e notei que isso se aplicava a elas também. Ou seja, não conheço mulher sem um histórico de violência ou, com sorte, de risco de violência. Se você é homem, não tem muita idéia do que é isso. Pros homens, o medo é de ser assaltado ou morto. Pras mulheres, tem isso também, mas há o medo do estupro, que é constante. Homem só tem medo de ser estuprado se for preso. Mulher tem medo de ser estuprada ao sair de casa. É uma diferença considerável. Mas vou contar as minhas histórias de horror. Nenhuma é tão terrível, porque tive a sorte de sempre conseguir escapar.
Quando eu tinha 12 ou 13 ou 14 anos, estava na Praia dos Ossos, em Búzios, a um quarteirão da casa que minha família alugava para passar as férias. Havia uma pousada que se transformava em boate à noite, e às vezes em cinema. Era lá que eu estava, pronta pra ver algum filme, quando uma moça simpática se aproximou de mim e começou uma conversa estranha. Lá pelas tantas, falou de um senhor, muito rico, muito educado, um doce de pessoa, que adoraria me conhecer. Ela apontou pra ele, e lá estava um velho horroroso do outro lado, me dando tchauzinho. Ela continuou dizendo que, se eu saísse com ele, ele poderia me dar coisas muito legais, como carro, dinheiro, apartamento - como ele havia feito tão generosamente com ela. Não lembro o que respondi, fora ter recusado, óbvio. Mas pouco depois fui pra casa e, chegando lá, narrei o convite pro meu pai, sem dar muita importância. Foi a reação dele que me fez notar, provavelmente pela primeira vez na vida, que meninas correm perigo. Furioso, ele saiu na hora pra procurar o casal, mas não o encontrou. Quantas garotas acabam aceitando um convite desses?
Um tempão depois, quando eu já tinha 20 e poucos anos e morava em SP e era voluntária do CVV (Centro de Valorização da Vida, um serviço que conversa com suicidas em potencial), saí do meu plantão livre, leve e solta, sentindo-me bem, acreditando na bondade humana. Era um domingo de sol, nem duas da tarde. Enquanto esperava pelo ônibus (nunca me atrevi a dirigir em SP), um cara parou seu carro e me ofereceu carona. E eu, ingênua, por estar tão feliz e crente na humanidade, aceitei e entrei. Rapidamente o indivíduo veio com indiretas e gracinhas. Eu me mantive calma e até disse pra ele algo como “Tenho certeza que você não é um psicopata, e que vai fazer exatamente o que se ofereceu pra fazer, que é me levar até a minha casa”. O cara provavelmente achou que eu era louca demais pra se tentar alguma coisa. E me deixou em casa.
Algo parecido aconteceu em Fortaleza, mais ou menos na mesma época. Passei um mês no Nordeste trabalhando feito uma máquina pro Ibope, entrevistando donas de casa pra um projeto gigantesco da Nestlé. Acho que tivemos três dias de folga naquele mês. Era de domingo a domingo mesmo. Enfim, numa dessas raríssimas folgas, fui com uma colega a um bar. Lá conheci três rapazes aparentemente boa gente, universitários, classe média. Não lembro o que aconteceu com a minha colega (ela deve ter saído com alguém), mas já tava meio tarde, eu estava cansada e tinha que trabalhar cedo no dia seguinte, e quando esses rapazes me ofereceram carona até o meu hotel, aceitei. A conversa até então não tinha tido a menor conotação sexual. Eu não tava flertando com eles, nem eles comigo. E eu precisava de uma carona. Bom, qual não é minha surpresa quando o carro, com os três rapazes e eu, pára na garagem do prédio de um deles. E eles querem que eu suba pra beber alguma coisa, porque a noite é uma criança e tal. Eu não bebo. Eles deviam ter percebido isso quando viram que eu era a única alma tomando água num bar. Não tinha o menor interesse em nenhum deles, muito menos nos três, e, até aquele momento, eu pensava que isso era recíproco. Não. Eu expliquei que precisava chegar ao meu hotel logo. Eles não gostaram da recusa. Ainda tentaram inventar que era só pra gente subir rapidinho, porque um deles havia esquecido algo lá. Eu acho que consegui ser gentil mas firme quando avisei que não iria subir, e que se eles não me levassem ao hotel naquele momento, eu teria que sair do carro e arranjar outra forma de ir embora. Eles se olharam entre si, pesaram a situação, viram que eu não ia subir por bem, e me levaram pro hotel. Zangados ainda! (depois dessa, nunca mais peguei carona sozinha).
A pior situação foi em SP. Eu tinha 19 ou 20 anos. Queria muito ver o épico do Sergio Leone, “Era uma Vez na América”, que tava passando em algum cinema do centro (na época, finalzinho da década de 80, ainda havia salas fora dos shoppings). Mas nenhum amigo(a) quis ir comigo ver um filme de quatro horas no meio da semana. Então fui sozinha. Nenhum grande problema durante a sessão, tirando o fato que alguns homens não podem ver uma moça sozinha sem achar que ela está disponível. Tive de mudar de lugar três vezes, porque algum energúmeno sentava-se ao meu lado e começava a puxar conversa – durante o filme! Porque obviamente eu fui ao cinema ver um filme meio de arte de quatro horas pra catar homem! Três vezes, três energúmenos, até que desistiram e me deixaram ver o filme em paz. Terminada a sessão, peguei um ônibus, fui pra casa. Eu morava no bairro chique de Higienópolis. Era perto da meia noite e não havia ninguém na Av. Angélica. Desci do ônibus e, quando estava a alguns passos da entrada do meu prédio, um cara me agarrou por trás. Não vi o rosto dele nem de onde ele veio. Só sei que eu caí, e meus óculos caíram longe. Antes de dar tempo de pensar, eu me levantei e fui com meus punhos pra cima dele, muito, muito revoltada. Acho que o tarado não esperava essa reação, porque ele saiu correndo, e eu atrás dele, gritando e xingando. Voltei, peguei meus óculos, subi, liguei pra polícia. Meu amado papi ainda desceu pra ver se o pegava. Nada.
Houve alguns outros momentos delicados, mas não muito significativos, que só acontecem com a gente por ser o sexo dominado. O incrível é que eu não sou exceção. Sou a regra. Ah sim, quase esqueci: Feliz Dia Internacional da Mulher.




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