OS BRINQUEDOS EDUCATIVOS DE CADA GÊNERO
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OS BRINQUEDOS EDUCATIVOS DE CADA GÊNERO


Menina ou menino? Ish, não dá pra saber!

Outro dia, no post sobre uma professora americana que tomou a iniciativa louvável de trabalhar gênero já com as crianças da primeira série, um leitor, o André, perguntou: “Quais seriam os benefícios que meu filho teria por brincar de boneca?”. Bom, falar de benefícios já tem um caráter muito utilitarista. Não sei quais seriam os benefícios que seu filho teria brincando de carrinho, por exemplo. Desconheço até que ponto as crianças “se beneficiam” de brincar de alguma coisa, a menos que você considere diversão um benefício (eu considero), e aí brincar de boneca e de carrinho dá na mesma — ambas podem ser divertidas. Mas o fato é que todo brinquedo é pedagógico, didático, educativo, no sentido que a criança aprende com ele (não só com ele, lógico) o seu papel no mundo, e aprende o que se espera dela e como deve se comportar. Convenhamos: não é nem um pouco de coincidência que as meninas sejam incentivadas a brincar de casinha, trocar fralda de bebê, e fazer comidinha. Na vida real, é o que se espera delas também — que elas se restrinjam ao ambiente doméstico. Isso tudo é visto como “coisa de menina” (e de mulher). E depois tem gente que fala que a situação tá mudando, porque tem marido “que ajuda” em casa!
Concordo mais com uma mãe britânica que, junto com a irmã, lançou a campanha Pinkstinks (rosa fede). Ela teve a ideia depois de ver suas duas filhas numa loja de brinquedos considerarem que animais de fazenda seriam “coisa de menino”. Para essa mãe, “estamos regredindo”. Acho que sim. Infelizmente, estamos mesmo. Na minha infância e adolescência as lojas não eram tão divididas por gênero. Rosa não era a cor oficial das garotas. Eu podia ter um caderno de escola “neutro”. Podia usar sandália sem salto. Não existia isso de meninas de 5, 8 anos se maquiarem antes de ir pra escola. Chapinha pra criança? Nem pensar. Cirurgia pra adolescentes com menos de 18 anos eram raríssimas. Hoje a idade média de cirurgias plásticas no Brasil é de 15 anos. Então sim, tá pior (e aqui noto um descompasso gigante entre o que muitas acadêmicas feministas por quem tenho o maior respeito pesquisam e escrevem sobre eliminação dos gêneros e o que se vê na vida real).
Nunca as crianças estiveram tão generizadas. Talvez isso se deva ao capitalismo estar cada vez mais voraz. Portanto, talvez compense do ponto de vista mercadológico lançar uma versão de Palavras Cruzadas ou Banco Imobiliário ou salgadinhos só para meninas. Talvez seja porque hoje consegue-se saber o sexo do bebê muito antes do nascimento. Então o bebê já é tratrado como menino ou menina ainda dentro do ventre. Quando nascer, a menina já encontrará o quarto decorado de rosa e estará pronta pra assumir seu lugar de “princesinha do papai”. O menino encontrará o quarto azul com motes esportivos e bélicos, e será preparado para protagonizar uma vida de aventuras — longe do ambiente doméstico, que isso é coisa de menina.
Uma americana fez um exercício formidável que eu gostaria que fosse feito aqui (alguém se habilita? Já tem estudo acadêmico?). Ela analisou uns trinta comerciais de TV que tentam vender brinquedos para meninos de 6 a 8 anos, e outros trinta para meninas da mesma idade, e anotou o vocabulário usado para comercializar cada produto. A lista original pode ser vista aqui. Como usei e continuo usando esses gráficos em algumas palestras, decidi traduzir as palavras. Deu mais ou menos isso para os brinquedos de meninas:Praticamente tudo relacionado à moda, estilo, aparência física, e maternidade. A palavra amor é a que a mais aparece nos comerciais, mas é só ver quem lhe faz companhia pra gente supor a que tipo de amor os publicitários se referem. Amor por consumir, né?
Este é o gráfico das palavras que mais aparecem nos comerciais pra meninos:O vocábulo mais repetido é batalha. Tem também poder, heróis, ação, derrotar, transformar, destruir etc. Amor e bebês não existem para garotos.
O Feminist Frequency também fez um vídeo em que analisa alguns desses comerciais. Concluiu que, pros meninos, estimula-se a competitividade e a agressividade, mas também a construção de coisas (nem que seja para destruí-las em seguida). Pras meninas, tudo gira em torno de prendas domésticas e da sua função decorativa. Aí a gente se pergunta por que há muito mais engenheiros que engenheiras, ou por que apenas 3% dos programadores de videogame são mulheres. Sério que com toda essa lavagem cerebral desde cedo ainda tem gente que acredita em “gosto pessoal” como fator determinante pras escolhas que fazemos na vida?
Não vou entrar na questão de que, num mundo mais humano, a propaganda para menores de 12 anos seria proibida (como é na Suécia). Ponto. Este é um assunto complexo que merece um post só pra isso, mas eu não canso de me admirar ao ver pessoas defendendo a total falta de regulamentação pro capitalismo, porque dizem — quem deve tomar as rédeas da situação e domar as crianças são os pais. Nem pensar em tornar a vida dos pais um tiquinho mais fácil? Por que fazer os pais competirem com indústrias poderosas que, só nos EUA, gastam 17 bilhões de dólares em estudos de como influenciar as crianças?
Mas, voltando ao questionamento do André sobre os benefícios do filho brincar com boneca, eu queria devolver a pergunta. Você vê algo de errado num mundo que relaciona todos os brinquedos pra meninos com poder, força bruta e guerra? Esses brinquedos, e toda a cultura de “menino não chora” em que seu filho está inserido, não guiam o modo como ele tentará resolver conflitos? E digamos que você dê o azar de ter uma filha. O que esses brinquedos ensinariam a ela? Por que brincar de boneca seria benéfico pras meninas, e não pros meninos? Que tipo de benefício têm as meninas aprendendo que é sua missão no mundo cuidar da casa? E meninos não namoram, se casam e têm filhos quando crescem?
Naquele mesmo post, um comentarista anônimo já veio com uma enorme certeza: “Se dar boneca pros meninos brincarem não é incitar o homossexualismo, então me digam o que é!”. Uau! Santa ignorância, Batman! O leitor confunde sexo biológico com orientação sexual. Bom, assim como meninas não se tornam lésbicas por brincarem de carrinho ou de espada, meninos não viram gays por, ugh!, tocarem numa boneca. E, como a gente vive num mundo em que as “incitações” à heterossexualidade são contínuas e gritantes, você não deve se preocupar. Fecho com Guacira Louro quando ela questiona: “Se a identidade heterossexual fosse, efetivamente, natural [...], por que haveria a necessidade de tanto empenho para garanti-la?” De fato, o medo que temos em combater a homofobia nas escolas (porque isso geraria toda uma multidão de gays e lésbicas!) é um sinal inequívoco da fragilidade da nossa heterossexualidade. Como é fraca a nossa identidade sexual se um menino brincar de boneca o “incitará” a ser gay!
A certeza homofóbica do leitor anônimo não tem muita salvação, mas a dúvida (vou acreditar que genuína) do André a respeito dos benefícios que seu filho teria por brincar de boneca pode ser ampliada: que benefícios teria o nosso mundo se as crianças pudessem crescer para ser tudo aquilo que quiserem ser, sem estar limitadas às amarras de seu gênero?




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