PADRÕES QUE SE REPETEM SEMPRE
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PADRÕES QUE SE REPETEM SEMPRE


Este cartum da Gabby ilustra perfeitamente o padrão

Tem um padrão que se repete sempre. É assim: uma pessoa ou um blog ou uma coluna ou whatever com um bom histórico de publicações e declarações em defesa das mulheres escorrega. Publica um texto de alguém falando mal de feministas e chamando-as de feminazi, ou traduz um vídeo de um cara dizendo que o feminismo é uma droga, ou linka uma piadinha machista. Isso repercute, e o sujeito que escorregou é criticado por várias pessoas, incluindo, lógico, feministas. Como o sujeito reage a essas críticas? Negando que seu escorregão foi machista e usando clichês machistas pra ofender as feministas que o criticam.
Posso chamar algo que já vi acontecer no mínimo três vezes de padrão? Pois é. Aconteceu com o Nassif, com o Bule Voador, e agora com o Pablo Villaça. Pelo que sei deles, temos pontos em comum (compartilhamos algumas bandeiras da esquerda, no caso do Nassif; o ateísmo, no caso do Bule; também sou crítica de cinema e de esquerda, no caso do Pablo). Não costumo ler seus blogs, nem os sigo no Twitter, mas quando os escorregões acontecem, eu quase sempre fico sabendo (já que sigo várias feministas). E o que me chama a atenção é como o que acontece é sempre igual.
O que acontece primeiro? O escorregão. Sinceramente, não acho escorregar o fim do mundo. Todo mundo faz isso. Todo mundo erra, todo mundo adota uma atitude preconceituosa de vez em quando. O Nassif publicou post de um leitor com um monte de asneiras contras as “feminazis”. O Bule (e o Bule é uma equipe, não uma só pessoa) traduziu um vídeo de um americano protestando contra mulheres num show de TV que riam de um pênis decepado (até aí tudo bem, mas o que as feministas têm a ver com isso? Nada? Então por que o cara usou esse episódio lamentável como pretexto pra criticar o feminismo?). O Pablo, no seu twitter, escreveu “Como conquistar as mulheres”, com um link pra montagem ao lado (dizendo que algumas mulheres se ganham com um beijo etc; para todas as outras existe Mastercard).
Estes foram os escorregões. Não creio que seja o fim do mundo, ou que valham pra marcar Nassif, Bule ou Pablo como machistas para sempre. Só revela um tantinho de ingenuidade desses homens. Tipo, eles não notaram que aquilo que postaram poderia ofender algumas pessoas? Não acho que seja má fé, sério mesmo. Acho que tá mais pra ignorância, no sentido de desconhecer totalmente (por não fazer parte de sua rotina) o que passa uma mulher e uma feminista. Quase toda feminista já foi chamada de feminazi (independente do seu "radicalismo"). Isso é fato. Feminazi (assim como gayzista) não é uma palavra bonita, pois diz que nossas lutas são iguais às barbaridades nazistas. Dizer que feministas são mulheres que querem castrar homens é outro clichê (se bem que decifrar que mulheres num programa de TV são feministas é burrice mesmo). Piadinha dizendo que mulher se vende e só se interessa por dinheiro não é lá muito respeitoso à metade da população mundial, e é obviamente uma mentira.
Bom, ok. Toda ação tem uma reação. Pelo menos hoje em dia é assim. Passou o tempo em que alguém podia publicar besteiras preconceituosas e só receber tapinhas nas costas dos amigos. Tenho a impressão que, nesses três casos citados, nenhum dos sujeitos esperava aquela reação. No caso do Nassif, primeiro a Cynthia escreveu um post (que foi ignorado), depois eu, o que levou a vários tweets de outras feministas. No caso do Bule, houve muitos tweets e comentários no post reclamando, dizendo que tal vídeo não condizia com a proposta humanista do blog. No caso do Pablo, só sei de uma reação: a de uma tuiteira feminista chamada Julinha, que respondeu ao tweet “Como conquistar as mulheres” com um “Só se for a sua”.
Aí é que surge o verdadeiro desafio: como os caras reagem a essas reações? Porque escorregar é normal, mas como você se comporta ao ser criticado? O que você faz quando te apontam que você errou? Ninguém gosta de ser criticado (eu não acredito em quem diz que gosta). É sempre incômodo.
Como foi a reação às reações nesses três casos? Nassif reagiu culpando o estagiário, ironizando os tweets que recebeu, publicando outros posts atacando feministas (narrei boa parte da briga aqui) e, por último, insultando o Idelber, um dos poucos blogueiros homens a ficar do lado das feministas.
Como o Bule se comportou? Com algumas respostas bem arrogantes e mal-educadas nos comentários (uma delas merece um post exclusivo: “Chamar uma mulher de piranha não é machismo. Supere”. A Sub, aliás, já escreveu um excelente post a respeito), e com umas brigas no Twitter em que eles tentavam provar que o sujeito do vídeo tinha razão e que o vídeo não era anti-feminista (tanto era que os blogs mascus e o Testosterona, um dos blogs mais machistas do Brasil, reproduziram o vídeo). Horas depois, o Bule fez algo nobre: se retratou. Tirou o vídeo, deixou um texto pedindo desculpas e acatando as críticas. Muito legal, né? Seria, se um dos principais editores do Bule não aparecesse pra insistir no assunto e comprar briga com várias tuiteiras feministas, inclusive esta que vos fala. O cara continuou com esse comportamento infantil durante dez dias, até que foi bloqueado. E o Bule olhou pro lado e fingiu que não conhecia um de seus editores, que estava agindo como um típico troll (na verdade, não consigo disassociar esse carinha e as discussões que tive com ele no Twiter do Cavaleiro Negro do Monty Python, aquele que sem braços e sem pernas grita: “Você tá fugindo da briga?! Ainda posso te morder!”).E qual foi a reação do Pablo a Julinha? Ele reclamou da falta de humor dela. Em seguida, retuitou mensagens de leitores dizendo que Julinha deveria lavar louça, que tem que ser burro pra não ver o quanto Pablo é feminista, que a patrulha do politicamente correto era cruel etc. De seu punho saíram tweets como “Isso é jeito de moça falar?”, “Você beija sua mãe com essa boca?” (referindo-se à linguagem usada: escroto, cagando), “coisinha estranha”, “Quer um brinco pra se acalmar?”, “Vontade louca de perguntar se você está com TPM”, até chegar ao famigerado feminazi. Pra completar, passou a escrever tweets de #filmescomfeministas, tipo “As feministas também amam”. Pode até ser que os tweets da Julinha pra ele foram um pouco exagerados, mas quer chamar como esse comportamento do Pablo? Comedido? (compilei os tweets e os coloquei na caixa de comentários. Procure lá; tem seis partes).Eu só fiquei sabendo disso tudo porque a Julinha falou pro Pablo ler um texto meu. Aí fui ver a discussão. E escrevi exatamente o que estou escrevendo agora, só que em 140 caracteres (ou mais, porque usei uns três tweets): que todo mundo escorrega, mas o que conta mesmo é como a pessoa reage a quem a critica pelo escorregão.
Como Pablo reagiu aos meus tweets? Chamando de patrulhamento e dizendo que ele não era o Rafinha (devo ter perdido a parte em que o comparei ao Rafinha). Apenas uns três tweets separados (que junto em um textinho aqui) não me pareceram agressivos: “Você ignora minha história de defesa de minorias e das mulheres. Cai no mesmo conto da Julinha. Com isso, só consegue confirmar os estereótipos da feminista radical que enxerga uma separação absoluta entre 'Nós' e 'Eles'. Isso não faz bem à sua causa e muito menos à humanidade. Pena.
Só que este também é um clichê. Nassif e Bule falaram exatamente a mesma coisa ― que têm uma história de defesa das minorias e das mulheres (como se as feministas não tivéssemos!), que as feministas que ousam criticá-los só podem ser feministas radicais, e que isso mancha o feminismo (e faz mal à humanidade. Não lembro se Nassif e Bule acusaram as feministas de atrapalhar a humanidade também). Apesar deste post já estar gigantesco, acho que preciso explicar. Primeiro, ter alguns textos apoiando minorias não te dá um cartãozinho de “saída livre da prisão” (meu lado Banco Imobiliário em ação). Não é vitalício. Negar que escorregões aconteçam é muita arrogância. Segundo, como é que as pessoas são machistas, ou chatas, ou burras? As pessoas “são” alguma coisa pelo que elas fazem e dizem, e pelo que outras pessoas falam delas. Mas “ser” é muito relativo. É por quanto tempo? “Ser” depende também que as pessoas que te julgam assim considerem que aquilo que você disse ou fez é machista, ou chato, ou burro. A atitude imediata de Nassif, Bule, Pablo foi negar que o que postaram (o que gerou a reação) foi machista. E aí, uma piadinha dizendo que homens podem comprar mulheres com cartão de crédito é machista? Muita gente, eu inclusa, acha que é. Agora, ter tuitado uma piada machista faz de alguém um machista? Não necessariamente. A menos que este sujeito acredite no que a piada diz e viva fazendo piadinhas do tipo. Ruim mesmo é apelar pra clichês preconceituosos pra rebater a acusação de machista.Em nenhum momento eu disse que esses três eram machistas. Disse que fizeram algo machista, mas que o importante era a reação às críticas. E foi nisso que todos falharam feio. Imagina só que eles publicam ou linkam um texto ou piada homofóbica. Alguns ativistas gays reagem, e a reação dos três é escrever “Vontade de mandar esses caras darem o **”. Imagine se eles publicassem algo racista; ativistas negros reclamam, e os três respondem “Volta pra senzala, vai!”. Reagir às reações com insultos que tipicamente são usados contra feministas revela que a pessoa ou não faz a menor ideia de que feministas são rotineiramente xingadas, ou que o alinhamento do cara na defesa das mulheres não é tão magnífico quanto ele pensava. De todo modo, uma reflexão cai bem.Então, pra evitar que um quarto case study venha se juntar ao clube, o que fazer? (isso logicamente vale pra todo mundo). Antes de mais nada, antes de tuitar ou publicar algo que talvez seja visto como preconceituoso, pense duas vezes. Pense na reação que virá. É um exercício diário. Eu, por exemplo, quando estava escrevendo este texto, no trecho em que digo que falar que mulheres são interesseiras é uma mentira, ia incluir um trecho dizendo que a maior parte das mulheres trabalha. Aí pensei: “Opa, eu tô dizendo que só mulheres que trabalham é que não são interesseiras? Que horror! E as donas de casa? (e quem disse que dona de casa não trabalha?) Etc”. Se você publicar assim mesmo, esteja preparado pras críticas. Quando alguém te criticar, não reaja com clichês preconceituosos (os mesmos clichês que são usados por grupos assumidamente preconceituosos). Ao ser informado que a piadinha que você tuitou é machista, você: A) nega que a piada seja machista, nega que você seja machista, nega que o machismo exista no mundo, e chama quem que te apontou isso de radical; B) reconhece que a piada é machista, mas aponta pro seu histórico pra atestar que você não é machista; C) reflete, diz “oops, malaí, pisei na bola, perdão”.
Não sei se apenas uma alternativa é a correta, mas sei que só uma encerra a discussão.

P.S.: A Niara escreveu um excelente post sobre isso: "Onde você guarda o seu machismo?"




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