UM EXEMPLO DO QUE ACONTECE NO PAÍS DIVIDIDO
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UM EXEMPLO DO QUE ACONTECE NO PAÍS DIVIDIDO


Este fato que vou contar faz parte dos “culture wars” (guerras culturais). Agora que a era Bush chega ao fim, esses conflitos de valores vão se intensificar. Afinal, vocês não acham que os quase 50% que votam nos republicanos vão se conformar tão fácil com a derrota, né? Assim como os liberais não ficaram tão calados nesses últimos oito anos.
Os EUA realmente são um país dividido. Eu fico incrédula quando ouço o pessoal criticar Hugo Chávez e Evo Morales por “dividirem” seus países, sendo que a elite e a classe média na Venezuela e na Bolívia, respectivamente, são minúsculas (e como se Chávez e Evo não pudessem ser eleitos, apenas porque a elite seria contra!). “Dividido”, pra mim, é 50/50. Ou seja, os EUA.
Nesta quase-década bushenta, a mídia de direita cresceu muito. Uma das porta-vozes é a Ann Coulter, de quem já falei aqui e aqui. Especula-se sobre o que ela fará da vida agora. Continuará tendo destaque? É provável que sim. Por exemplo, a notícia mais quentinha vinda de lá é que a Fox News tirou o Colmes do Hannity & Colmes. Calma, deixem-me explicar, já que eu tampouco havia ouvido falar neles antes de viver nos EUA. Eles tinham um programa antigo, já com doze anos, em que um cara de extrema direita, o Sean Hannity, apresentava notícias e entrevistava convidados junto com um cara mais moderado, o Alan Colmes. Dos programas que vi deles, sempre achei o Colmes um fracote. Ele falava baixinho e não era incisivo, ao contrário do seu colega direitista (o cartoon ao lado mostra Hannity dizendo: "Reagan nos fez ter orgulho de sermos americanos de novo. Ele derrubou a União Soviética e abriu as portas da liberdade no leste europeu". E Colmes: "Reagan e eu gostamos de jujuba"). Mas digamos que, em se tratando da Fox, havia um mínimo de equilíbrio. Pois bem, o ibope do programa caiu, e o Colmes saiu do programa. Fica só o fanático de direita (porque, gente, se comparados aos conservadores americanos, os nossos conservadores do DEM e PSDB são quase sensatos. Eu disse quase).
Tá, mas vamos ao tópico deste post (eu demoro, mas chego lá). Acabaram de lançar um calendário 2009 com as “musas” da direita. Elas não estão nuas ou nada disso, já que a direita é contra a nudez. O tópico é “Pretty in Mink”. Lembra do filme Pretty in Pink, que aqui recebeu o título de A Garota de Rosa Shocking? Então, é um trocadilho entre pink e mink, aquele roedor cuti-cuti que vira casaco. A apresentação do calendário diz que a idéia foi mostrar essas mulheres em poses hollywoodianas, quando as atrizes eram mais femininas.
Bom, “fur is a political issue” (casacos de pele são um assunto político), não se pode negar. Em geral, principalmente nos EUA, quem é vegetariano ou vegan (que não consome nada que venha de animais, incluindo leite, ovos, couro) tá mais à esquerda. Quem defende se empaturrar de carne é quase sempre a mesma pessoa que acredita que os EUA merecem ser o maior império do mundo, ou seja, é um dever patriótico dirigir uma pick-up e gastar litros de gasolina, ao invés de andar de ônibus. É a mesma que crê que os animais foram colocados na Terra por Deus para nos servir, e que isso de crueldade contra animais é conversa pra boi dormir. É gente que adora caçar e acha que todo mundo deveria andar armado, pois é seu direito constitucional.
Pra cada estola (esfola?) de mink matam-se entre 35 e 65 bichinhos fofinhos e peludos (eu só vi um mink uma vez, de um amigo que tinha um como animal de estimação). Portanto, fazer um calendário incentivando o uso de casaco de pele equivale a uma provocação contra grupos de defesa dos animais, como o PETA. Os conservadores consideram o PETA - que joga tinta e farinha em cima de casacos de pele - um grupo terrorista. Mas essa história tem um lado econômico também, claro. Um casaco desses custa milhares de dólares. É só pra elite mesmo. Em tempos de crise, promover o uso de peles caríssimas é uma afirmação política maior ainda. É até imoral, se considerarmos que os responsáveis pela crise foram os banqueiros de Wall Street - e que eles receberam dinheiro do contribuinte para equilibrar suas contas. Um sistema muito justo, este capitalista.
Como você pode imaginar, as fotos não foram bem recebidas pelo pessoal mais liberal, que votou no Obama. Tipo, muita gente jura que a Ann Coulter é um travesti, e menciona o seu gogó. Outros só acham essas mulheres horrororas e dizem que nem três toneladas de pele podem deixá-las menos frígidas. Comentários bem machistas, mas alguns são divertidos. Um carinha escreve, citando Homer Simpson, “Eu não sou gay, mas posso aprender”. Outro diz: “Não tá um pouco tarde pra uma foto de Halloween?”. E mais um: “Este calendário será um ótimo instrumento pras aulas de Abstinência Sexual nas escolas”. Mas o meu preferido foi um que pergunta “Cadê a Eva Braun?”, referindo-se à Frau Hitler.
E aí, deu vontade de jogar farinha ou tinta?
Update: Sobre a intenção do calendário em transformar as estrelas do movimento conservador em figuras glamurosas da Hollywood clássica, o sempre engraçado Nate tem isso a dizer: "Mal posso esperar para ver a adorável Ann Coulter como Clark Gable em E o Vento Levou".




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