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"MEU COMPANHEIRO NÃO SE UNE AS MINHAS LUTAS"
Maridão na Marcha das Vadias de Fortaleza, em 2011
L. me enviou este email:
Gostaria, primeiramente, de te agradecer por seus post esclarecedores, bem escritos, coesos e atuais. Acho que blogs como o seu ajudam a aproximar as pessoas de questões importantes e abrem espaços de discussão e reflexão. Dito isso, gostaria de falar uma coisa. Na verdade... Perguntar.
Eu tenho 22 anos e sofri abuso sexual aos 13. Demorei muito para conseguir pensar no assunto que eu fingia não existir. Doía demais pensar nisso. Há alguns anos comecei uma empreitada muito forte em direção à superação. Me esclareci sobre o assunto, estudei efeitos psicológicos do abuso, o que é o abuso, casos que acontecem todos os dias, como lutar contra isso. Ainda é difícil falar disso, mas falo. Ninguém da minha família sabe, mas meus amigos, sim.
Meu namorado é um cara muito legal e respeitoso. Como em todos (inclusive em mim, algumas vezes) é possível notar algumas atitudes machistas, mas ele lê os textos do seu blog e de outros, está começando a compreender o feminismo de verdade e tenta se policiar e mudar algumas atitudes. Ele já me viu chorar várias vezes pelo abuso; especialmente em filmes que mostram cenas que eu não consigo suportar e tenho que sair do cinema, ele me acompanha. Mas ele não é capaz de expressar isso, não "prega", como ele coloca. Ele diz que se importa com questões feministas, apóia, respeita, acha correto, mas não consegue ter convicção sobre isso porque não o afeta diretamente. Isso me incomoda porque sinto que minhas lágrimas e o sofrimento de muitas outras pessoas escancarado a cada dia não são suficientes para chocar as pessoas. Será que essas pessoas precisariam ver um estupro de uma garota de 13 anos ao vivo para se revoltar a ponto de lutar pela mudança de algo? Será que essa inércia é tão grande que elas até podem sentir afinidade por uma causa, mas não a ponto de querer mudar se não forem elas, em suas próprias peles, a sentir o problema? A pergunta por trás de tudo isso é: como você e seu maridão lidam com isso? Ele divide suas lutas com você? Ele era diferente antes de te conhecer? Como fazer para tentar aceitar que ele não precisa defender como se fossem dele minhas lutas, mesmo que isso seja um desejo forte meu, o de ter alguém que possa levantar essa bandeira comigo?
Minha resposta: Querida L., é um processo, e cada um tem o seu ritmo, a sua personalidade, as suas lutas. Sei que dói quando algo que é fundamental pra gente é ignorado pelo nosso companheiro. Hoje de manhã mesmo eu fui compartilhar com o maridão a dúvida de uma leitora sobre o que ela pode fazer pra alertar uma amiga que está num relacionamento abusivo. E o maridão respondeu que aquela conversa não era interessante, levantou-se, e saiu do quarto. Eu quis jogar qualquer coisa nele.Felizmente, não é todo dia que ele acorda de mau humor. Mas não, o maridão nunca se assumiu feminista. Ele jamais foi machista, lógico. Desde que o conheci, 23 anos atrás, fiquei surpresa ao ver uma pessoa tão sem preconceitos. Ele nunca fez uma declaração sexista, racista, ou homofóbica, e isso é de tirar o chapéu. Eu já fiz -- um monte. Quando o conheci, ele não era de direita. Muito menos de esquerda. Era um alienado político. |
Eu e maridão em Joinville, 1994 |
Votava pra vereador em amigos, independente do partido. Não se engajava em campanha nenhuma. Votava sem prazer ou convicção. Claro que, convivendo com uma pessoa de esquerda, pouco a pouco, sem grande esforço, isso foi mudando. A glória foi quando, no final dos anos 90, eu e ele fomos jantar na casa do meu editor no jornal, e o sogro desse editor quis canonizar em vida o FHC, e o maridão jogou o cerimonial de boas maneiras às traças e passou a responder. Foi uma discussão calorosa. Fiquei orgulhosa dele -- era um Silvinho politizado, muito diferente daquele que eu havia conhecido quase uma década antes. |
Maridão e eu em Paris, 2011 |
Mas o feminismo não é importante pra ele. Em parte porque temos uma relação de muita igualdade aqui em casa. Com exceção de matar barata, não existem tarefas masculinas e femininas neste lar (graças a zeus, com a dedetização, não apareceu nenhuma barata no ano todo neste andar em que moramos). Eu e ele fazemos tudo (ou melhor, nada; vamos deixar no "não muito"). Nunca discutimos sobre dinheiro; nem eu nem ele damos a mínima se agora estou ganhando mais. Então o feminismo é um assunto meio obsoleto na nossa vida de casal. Simplesmente não há necessidade de falar nisso. Aliás, pra quem está cansado de feminismo, fica a dica: ajude a combater o machismo e os outros preconceitos. Quando vivermos numa sociedade justa, não haverá motivo pro feminismo existir.É verdade que eu nunca sofri algum abuso sexual como você sofreu (e, como você é jovem, pra você tudo isso é recente). Minhas histórias de horror são bem fraquinhas em comparação. Mas taí uma arena que a maior parte dos homens não consegue entender. Eles não imaginam como é viver, desde a pré-adolescência, pensando no que vestir pra não chamar a atenção, sendo bolinada no transporte público, ouvindo grosserias na rua, tendo medo de ser estuprada. Quero dizer, os caras bacanas são os que nem pensam no assunto. Os babacas são aqueles que perpetuam os abusos, seja participando ativamente, seja contando piadas ou fazendo pouco caso de situações que atingem... ahn, metade da população?Óbvio que há homens feministas que empatizam com as mulheres e lutam para combater o machismo. Eu acho que meu maridão é um deles, embora ele não se assuma feminista, nem se engaje muito. Mas certamente as pequenas ações que ele faz, os diálogos que ele tem com outras pessoas, são anti-preconceito. Seu namorado deve ser jovem. Já já ele te alcança. Se não, e se ter um namorado que levante as mesmas bandeiras é tão importante pra você, procure um namorado feminista. Eles existem!
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