PAI, NÃO SOU MAIS VIRGEM
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PAI, NÃO SOU MAIS VIRGEM


De impulso, decidi escrever este relato mais pessoal depois de ver aquelas partes de Insensato Coração em que o pai se preocupa com a "honra" da filha, e de uma leitora que nunca teve pai me perguntar como costuma ser a reação paterna ao saber que a filha tem uma vida sexual. Lógico que a reação varia de família pra família, mas duvido muito que, em geral, essa reação seja de orgulho (ao contrário de quando o pai fica sabendo que o filho não é mais virgem).
Perdi minha virgindade (é um termo tão feio esse, perder! Como se a gente estivesse perdendo alguma coisa, em vez de ganhando) com 15 anos. Foi tudo meio de repente e sem grande planejamento. Conheci um rapaz de 19 anos no Guarujá. Não transei com ele porque, acho, nenhum dos dois estava preparado (o que quer dizer também estar sem camisinha, e olha que isso foi em 82, pré-Aids). Foram meus primeiros amassos. Mas perder o hímen foi com um dedo de um menino da minha idade, numa praia em Búzios. E sexo mesmo pela primeira vez pouco depois, com um garoto um ano mais novo que eu, no meu apartamento em SP. Foi a primeira vez dele também. E é difícil a primeira vez ser boa!
Tudo isso foi durante meus 15 anos. Quando apareceram duas ou três gotinhas de sangue na minha calcinha, simbolizando a minha não-virgindade, contei pro meu pai, bem natural: “Pai, não sou mais virgem” ou algo assim. A reação imediata dele foi ficar um pouco zangado, vermelho, e devolver com um “Como assim?!”. Mas ele voltou pouco depois, depois de ter refletido melhor, e me disse: “Parabéns”. Eu teria achado estranho se fosse diferente. Afinal, meus pais eram liberais, andavam nus pela casa, eram acessíveis pra conversar, e nunca relacionaram sexo a nada negativo ou pecaminoso. Mesmo que, tirando esse comunicado meu a meu pai, não me recordo de falar com eles sobre sexo. Mas eu lia bastante.
Então não lembro da negociação que foi levar meus casinhos pra casa. Não sei se conversamos sobre isso ou se eu simplesmente apareci com um namoradinho e o levei pro meu quarto, onde ele ficou durante a noite. Só sei que nunca me passou pela cabeça procurar um motel, até porque não seria possível ― meus amantes costumavam ser tão menores de idade quanto eu. Sei que eles achavam estranho, e um pouco assustador, dormir no quarto da namoradinha, sendo que toda a minha família estava lá perto. Mas pra mim era muito natural. Aquele era meu quarto, ué, aquele era meu corpo, e eu não estava fazendo nada de errado. Logo foi natural pro meu irmão e minha irmã, dois e quatro anos mais jovens que eu, levarem seus casos pros quartos deles também. Sem constrangimento.
Tenho a impressão, mas não a certeza, que meu amado pai fazia cara de bravo pros meus namoradinhos, caso cruzasse com algum deles no corredor. Ele não gostou quando um deles, na manhã seguinte, usou sua lâmina de barbear e ainda deixou a pia suja. Mas tenho uma leve lembrança que mais de um tomou café da manhã com meu pai. Não sei. A verdade é que ele não gostava deles. Lembro bem quando um deles decidiu usar o piano na sala, e, bem, foi uma martelada atrás da outra. Meu pobre pai, que havia sido violinista na juventude, só olhava pra mim e revirava os olhos. (Na realidade, esse carinha foi bem depois, já na faculdade, e juro que não me recordo se transamos ou não. Lembro que passei uma noite no apê que ele dividia com um amigo, e que vimos Sindicato de Ladrões na TV, durante a madrugada. Ele tinha a ilusão que sabia tocar piano, e se considerava muito mais inteligente do que de fato era).
Quando eu já era adulta, mais de 20 anos, meu papi continuava implicando com meus casinhos. Um deles era um advogado alto e loiro que meu pai apelidou entre nós de “El Nazi”. Por isso foi tão surpreendente que ele tenha gostado do maridão à primeira vista. Foi o primeiro (e único) que levei pra casa que meu pai tratou com carinho. Não sei o que aconteceu, se foi porque ambos jogavam xadrez, ou porque o então namoradão andava de mãos dadas comigo (ideia dele; que eu saiba, eu nunca tinha andado de mãos dadas com um sujeito, mas também nunca tinha ficado muito tempo com algum deles ― meu recorde era três semanas), ou porque ele era mais velho (32 anos quando nos conhecemos). Mas sei que eles se deram muito bem automaticamente, e que o relacionamento entre eles foi ótimo nos três anos de convívio, até que meu pai morreu, em 93. Durante todo esse tempo (e os primeiros anos definitivamente não foram fáceis), meu pai foi um grande entusiasta pra que eu continuasse com o maridão.
Por isso é tão esquisito ler sobre pais que chamam sua filha de vadia só por ela ter iniciado a vida sexual, ou a expulsam de casa, ou a ameaçam, ou sei lá mais o quê. É ridículo. Será que eles acham que a filhinha não vai ter vida sexual, ou que vai se casar virgem? Entendo que quando falei pro meu pai que não era mais virgem sua primeira reação foi ter se chateado. Talvez eles pensem que nós seremos suas menininhas para sempre. Mas, sinceramente, acho que deve doer mais ao evitarmos, por exemplo, andar com o pai de mãos dadas em público. Não lembro quantos anos eu tinha quando achei que eu estava velha demais pra segurar a mão do meu pai na rua, mas tadinho, tenho certeza que ele se lembra. Deve ser duro ver a filha crescer e perceber que, logo logo, ele não será mais o centro do universo. Mas, racionalmente, o objetivo de mães e pais deve ser preparar a prole pra ser independente, e pra ter uma vida plena e feliz. E isso obviamente inclui uma vida sexual.

E hoje tem Marcha das Vadias em Fortaleza! A concentração, que não sei se é às 15 ou 16 horas, será no Centro de Humanidades da UECE. Espero que você de Fortaleza compareça! Eu estarei lá depois da aula. Este poster é da Marcha de amanhã, que acontecerá em Belo Horizonte (e em várias outras cidades, como Brasília, Salvador, João Pessoa, Floripa e Juiz de Fora). E haverá tuitaço hoje às 17. Vamos marcar presença para que nossa sexualidade deixe de ser algo condenável.




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