QUANDO AS MENINAS COMEÇARAM A USAR A COR ROSA
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QUANDO AS MENINAS COMEÇARAM A USAR A COR ROSA


Uma tradução do meu querido Flávio de um artigo de Jeanne Maglaty para o Smithsonian sobre um tema que pouca gente conhece, e que faz desmoronar a ideia de que divisões por gênero são naturais. Então é isso, amiguinhxs: menina não nasce gostando de rosa

Cada geração traz consigo uma nova definição de masculinidade e feminilidade que se manifesta nas roupas das crianças.
Rosa e azul surgiram como cores para bebês em meados do século 19; ainda assim, as duas cores não carregavam conotação de gênero, o que veio a acontecer um pouco antes da Primeira Guerra. 


Franklin Roosevelt bem antes
de se tornar um dos mais
 importantes presidentes da
história dos EUA (entre 1933
e 45). O quê Bolsonaro diria?
O pequeno Franklin Delano Roosevelt está sentado de forma empertigada em um banquinho, sua saia branca harmoniosamente arrumada sobre suas pernas, suas mãos seguram firmemente um chapéu adornado com uma pena de marabu. Cabelo na altura dos ombros e sapatos de festa feitos de couro envernizado completam o conjunto.
Hoje achamos esse visual perturbador, embora a convenção social de 1884, quando FDR foi fotografado aos dois anos e meio, determinasse que meninos usassem vestidos até a idade de 6 ou 7 anos, que era também a idade do primeiro corte de cabelo. O traje de Roosevelt era considerado de gênero neutro.
Mas atualmente as pessoas simplesmente têm que saber o sexo de um bebê ou criancinha à primeira vista, diz Jo B. Paoletti, historiadora da Universidade de Maryland e autora de Rosa e Azul: Diferenciando Meninas de Meninos na América, publicado em 2011. Assim vemos, por exemplo, uma faixa rosa circulando a cabeça sem cabelos de uma menina recém-nascida.
Por que os estilos das roupas para crianças mudaram tão drasticamente? Como acabamos em dois “times” — meninos de azul e meninas de rosa?
“Na verdade, é a história do que aconteceu com as roupas neutras”, diz Paoletti, que vem explorando o significado das roupas infantis há 30 anos. Por séculos, diz ela, as crianças usaram vestidos brancos delicados até a idade de 6 anos. “O que antes era uma questão de praticidade — você põe roupas e fraldas brancas no bebê porque o algodão branco pode ser alvejado — tornou-se uma questão de ‘Ai, meu Deus, se eu vestir meu bebê com a roupa errada, ele vai virar um pervertido quando crescer’”, diz Paoletti.
A marcha para as roupas específicas para cada gênero não foi linear, nem rápida. O rosa e o azul, junto com outras cores pasteis, se tornaram cores para bebês em meados do século 19, embora as duas cores não simbolizassem um gênero específico até um pouco antes da Primeira Guerra Mundial — e mesmo assim levou tempo para a cultura popular organizar as coisas.
Antes da 1a Guerra Mundial
Por exemplo, um artigo de 18 de junho de 1918 da revista Earnshaw’s Infants’ Department dizia: “A regra geralmente aceita é rosa para os meninos e azul para as meninas. A razão é que o rosa, por ser uma cor mais forte e assertiva, é mais adequada para meninos, enquanto o azul, que é mais delicado e gracioso, fica mais bonito em meninas”. Outras fontes diziam que azul ficava melhor em loiras, e o rosa, nas morenas; ou que azul era para bebês de olhos azuis, rosa para bebês de olhos castanhos, de acordo com Paoletti.
Em 1927 a revista Time imprimiu uma tabela que mostrava as cores apropriadas para meninas e meninos de acordo com as principais lojas dos EUA. Em Boston, a [loja] Filene dizia aos pais para vestirem os meninos de rosa. O mesmo ocorria na Best and Co. em Nova York, na Halle em Cleveland e na Marshal Field em Chicago.
A determinação atual das cores não foi estabelecida até os anos 1940, como resultado das interpretações que os fabricantes e varejistas faziam das preferências dos americanos. “Poderia ter sido o oposto”, diz Paoletti.
Assim, a geração do pós-guerra [baby boomers] foi criada com roupas específicas para cada gênero. Os meninos se vestiam como seus pais e as meninas como suas mães. As meninas tinham que usar vestido para ir à escola, embora roupas sem enfeites, para brincar [estilo tomboy] fossem aceitas.
Quando o movimento de liberação das mulheres chegou, em meados da década de 60, com sua mensagem anti-feminina, anti-moda, o visual unissex virou mania — mas de forma completamente inversa à do tempo de Roosevelt. Agora as meninas se vestiam em estilo masculino — ou pelo menos não-feminino —, destituído de sinais de gênero. Paoletti descobriu que nos anos 70 o catálogo da Sears não mostrou fotos de roupas cor de rosa para bebê por dois anos.
“Uma das formas pelas quais as feministas acreditam que as mulheres são atraídas para papéis femininos subservientes é através da roupa”, diz Paoletti. “Se vestirmos nossas meninas mais como meninos e menos como garotas cheias de babados... elas terão mais opções e se sentirão mais livres para serem mais ativas”.
John Money, pesquisador de identidade sexual do Hospital John Hopkins em Baltimore, afirma que o gênero foi primariamente aprendido através de pistas sociais e ambientais. “Esse foi um dos propulsores, nos anos 60, do argumento de que é ‘a criação [a construção social], não a natureza’”, diz Paoletti.
Anúncio da Lego em 1981
Roupas de gênero neutro permaneceram populares até aproximadamente 1985. Paoletti lembra o ano claramente porque foi entre os nascimentos de seus filhos, uma menina em 1982 e um menino em 1986. “De repente não era só um macacão azul: era um macacão azul com um ursinho segurando uma bola”, diz ela. Fraldas descartáveis eram fabricadas nas cores rosa e azul.
O exame pré-natal foi uma grande razão para essa mudança. 
Adivinha de quem é esse quarto?
De menina ou menino?
Um menino "perderia sua masculi-
nidade" se crescesse num
ambiente desses? A masculinidade
é tão frágil assim?
Pais grávidos passaram a saber o sexo de seu bebê antes dele nascer e daí iam comprar produtos “de menina” ou “de menino” (“Quanto mais individualizada a roupa, maiores as vendas”, diz Paoletti). A mania de rosa se espalhou dos pijamas e lençóis de berço para os itens mais caros, como carrinhos de bebê, bebês-conforto e andadores. Pais abastados podiam, como era de se esperar, fazer a decoração para o bebê número um, uma menina, e começar tudo de novo se o bebê seguinte fosse um menino.
Paoletti afirma que algumas mães jovens que cresceram na década de 80 privadas de coisas cor de rosa, rendas, cabelos longos e Barbies, rejeitaram o visual unissex para suas próprias filhas. “Ainda que sejam feministas, elas percebem essas coisas sob uma ótica diferente das feministas do pós-guerra”, diz ela. “Elas acreditam que mesmo que sua filha queira ser uma cirurgiã, não há nada errado de em ser uma cirurgiã bem feminina”.
Outro fator importante foi o aumento do consumismo entre as crianças nas últimas décadas. De acordo com especialistas em desenvolvimento infantil, as crianças estão começando a tomar consciência de seu gênero entre os três e quatro anos e não percebem que isso é permanente até a idade de seis ou sete anos. Ao mesmo tempo, entretanto, elas são submetidas a anúncios sofisticados e generalizados que tendem a reforçar convenções sociais. “Aí elas acham que, por exemplo, o que identifica alguém como mulher é ter cabelos longos e usar vestidos”, diz Paoletti. “Elas são muito curiosas — e muito inflexíveis em relação ao que gostam e o que não gostam”.
Paoletti diz que durante a pesquisa para o livro não deixava de pensar nos pais de filhos que não se conformam com os papéis de gênero: eles deveriam vestir seus filhos para se conformarem [com seu gênero] ou permitir que eles se expressassem através de suas roupas? “Uma coisa que posso dizer agora é que o binarismo de gênero não me entusiasma — a ideia de que você tem coisas muito masculinas e coisas muito femininas. A perda da neutralidade das roupas é algo para ser mais pensado. E também há uma demanda crescente por roupas neutras para bebês e crianças de colo hoje.”
"Há toda uma comunidade de pais e filhos por aí que estão enfrentando [a questão de que] 'Meu filho não quer mesmo usar roupas de menino e prefere usar roupas de menina’”. Paoletti espera que os leitores de seu livro sejam pessoas que estudam gênero do ponto de vista clínico. O mundo da moda pode ter sido divido em rosa e azul, mas no mundo de pessoas reais, nem tudo é branco e preto.




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